Quando viu a prostituta de luxo vivida pela atriz Paolla Oliveira na minissérie Felizes para Sempre? ser desmascarada pela namorada - que se passou por cliente para flagrá-la em um programa -, a gaúcha Clarice sentiu um arrepio.
Estudante de doutorado em uma renomada instituição de Porto Alegre, a morena de 28 anos se lembrou das tantas vezes em que temeu que seu namorado armasse uma situação semelhante para descobrir o que fazia nas noites ausentes. Do sofá, vibrou quando Danny Bond reagiu com o mesmo discurso que ela havia ensaiado caso isso acontecesse:
- Pelo menos tu me tem de graça, os outros pagam caríssimo - treinava Clarice.
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Fluente em inglês, espanhol e francês, ela é capaz de ganhar, por mês, de R$ 15 mil a R$ 20 mil fazendo programas em uma boate requintada da Capital. Circulando de óculos de grau e com roupas comportadas, chama atenção pelo estilo intelectual, de quem poderia estar numa biblioteca.
Tudo começou logo depois de ser aprovada para o doutorado, há dois anos. Queria morar em Porto Alegre, mas não tinha renda suficiente para se manter e pagar os cerca de R$ 3 mil mensais de mensalidade, já que não conseguira bolsa.
- E agora? Só se eu me prostituir - dizia para os amigos, repetindo uma brincadeira recorrente.
Foi aí que veio o estalo na sua cabeça: "Até que não seria uma má ideia".
Tinha um amigo que trabalhava com modelos e já a havia convidado para fazer um "book rosa", um catálogo para executivos que buscam acompanhantes de alto nível para viagens. Ela sempre recusava. Depois de concluir seu mestrado, a morena com porte de modelo havia montado uma empresa e começava a formar sua clientela numa cidade de médio porte do Rio Grande do Sul. Na mesma época, mantinha um caso com um homem casado e 20 anos mais velho.
- Ah, tu já faz (programa), só não cobra - provocava o amigo.
Clarice sempre teve curiosidade sobre o universo das garotas de programa. Decidiu conferir. Pegou um táxi num fim de tarde de horário de verão e rumou para uma boate de alto nível da Capital. Quando perguntaram que nome gostaria de usar na noite, escolheu um dos que cogitava escolher se tivesse uma filha, em homenagem a uma das suas escritoras favoritas, Clarice Lispector. Na mesma noite, ganhou R$ 600 em seu primeiro programa, com um turista italiano.
No início, ficava o tempo todo apreensiva, temendo ser reconhecida. E se algum colega aparecesse? E se seus professores do doutorado descobrissem? Em todos os cenários, imaginava uma saída. Diria que a pessoa estava se confundindo. Ou que estava bêbada. Com o tempo, passou a torcer para que o cliente fosse casado e também estivesse fazendo algo escondido. A única situação impensável era se a família descobrisse.
- Não é uma possibilidade. Não consigo nem imaginar o que eles fariam - preocupa-se.
Para não levantar suspeitas, guarda todo o dinheiro em uma poupança. Nunca trocou de carro, evita ostentar com compras luxuosas.
Como Danny Bond, já andou de jatinho com clientes, rumo a destinos sofisticados. Mas lembra que nem tudo é glamour. Certa vez, saiu com um publicitário com fama de violento. Ele abria o porta-luvas do carro e mostrava um revólver, como forma de intimidação, adorava contar histórias de pessoas que havia agredido. Em outra, deparou com pedófilos fazendo pedidos impraticáveis.
Na rotina de sedução e poder, também desperta paixões. Hoje, namora com um cliente, que banca todas as suas despesas. Já foi apresentada para a família, deixou de ir à boate. Mas a tensão para abafar o passado é permanente. Embora tenha rompido o contato com antigos clientes, não escapa de esbarrar em alguns pela rua. O pai do namorado já foi frequentador da boate onde ela trabalhava. Por sorte escapou de ter tido algum encontro íntimo com o sogro.
Durante a exibição da minissérie, o namorado a questionou:
- Tu te identifica com ela?
- Muito.
O novo namorado não aguentou assistir a todas as cenas, enxergando sua Clarice na pele da personagem de Paolla. Ela não tem orgulho do que fez, mas tampouco se arrepende.
- A gente tende a simplificar para justificar que o que a gente está fazendo é certo, mas poucas assumem, porque não é tão normal. Mas tem quem faz e tem quem paga - reflete.
*
"A gente sabe que é uma ilusão, tem que saber disso. Quando vai comprar alguma coisa, pensa: ah, não dá nada, é o preço de um programa. É uma outra realidade. Mas quando vê, tu te perde. Isso é bem ruim." Clarice