O Brasil virou o porto seguro para os negócios da indústria náutica. Desde 2010, o segmento cresce em torno de 15% ao ano, o triplo do PIB, e empresários apostam em uma alta de 50% nas vendas de iates até o fim do ano. Na disputa por esse mercado que vende 150 embarcações de grande porte e movimenta R$ 900 milhões por ano, o país agora conta com o primeiro megaiate totalmente nacional, construído em um estaleiro de Santa Catarina. Os seus 80 pés ou 66 km/h de velocidade máxima podem não dizer muito para um leigo, mas seu preço na casa dos R$ 12 milhões ajuda a entender a efervescência do setor. Esse gigante das águas é obra do empresário e designer de iates Márcio Luz Schaefer.
Apaixonado por velejar e desenhar barcos desde os 15 anos de idade, Márcio Schaefer foi quatro vezes campeão brasileiro na classe oceano e estudou arquitetura naval em Buenos Aires. Desde que criou seu estaleiro em uma área de 15 mil m² no município de Palhoça, na região metropolitana de Florianópolis, em 1992, já construiu mais de 2,5 mil barcos.
- Como meu pai não tinha uma proximidade com o mar, comecei a velejar com os meus tios. Tinha uns 14 anos, ia todo dia, não queria mais sair de lá - conta ele ao relembrar a entrada nesse universo das águas.
A fase como velejador durou alguns anos. Apesar da pouca idade, sabia das dificuldades da profissão. Elas não se relacionavam só ao temperamento da natureza. Os caminhos eram e ainda são curtos na área.
- Eu fui preparado para ser médico, engenheiro ou advogado. Só estas três profissões eram aceitáveis na época e na minha família. Primeiro, você tem que aceitar que vai dar este passo, para uma profissão que ninguém conhece. O outro passo é convencer a família de que você não está louco. Hoje quem vê a minha fábrica pensa que fazer barco é uma coisa legal. Mas era um mercado que só existia fora daqui, muito distante - recorda.
Lançado este ano, o Schaefer 800, de 80 pés e avaliado em R$ 12 milhões, é o maior barco construído por uma empresa nacional
Foto: Schaefer, Divulgação
Quando chegou a hora do vestibular, optou ela Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. Mas dividia os livros com o esporte pelas águas brasileiras. Tinha 18 anos e competia sem parar, passava três meses em Santa Catarina, três meses no Rio de Janeiro, curtia a vida como a idade permitia. A Joaquina era o point, "o" lugar. E a universidade, em que Matemática e Física não eram problemas sem solução, insistia em uma greve a cada três meses. Por correspondência, iniciou um curso de desenho de barco.
Começou a desenhar todo dia, a pesquisar, e comprou a primeira prancheta e alguns livros - difíceis de serem encontrados até hoje. Estava decidido: seria projetista de barcos. Teve a sorte de um pai que financiou os estudos por três anos em Buenos Aires.
R$ 30 mil e R$ 30 milhões
Mesmo ao lado de figurões da área, Marcio se destacava. Além da paixão incontrolável, tinha o conhecimento da prática como velejador. Era capaz de montar e desmontar um barco. Novamente virou promessa, referência. Nas charmosas calles da capital portenha, o projetista foi complementando sua biografia. Conheceu a primeira mulher através de um amigo em comum. Deste amor, nasceram os filhos Marcio e Barbara - ele trabalha com o pai; e ela, na área de turismo em Londres.
A faculdade terminou e a família veio para o Brasil. De volta a Florianópolis, se viu desacreditado, inexperiente. Foi trabalhar em São Paulo, mas o chefe não captou o talento como deveria. Em casa, o casamento acabou e as crianças voltaram para o país vizinho com a mãe.
- Eu tinha uma deficiência em inglês e sabia que precisava dominar o idioma, pois já tinha deixado passar oportunidades. Estava com 27 anos e fui para a Europa de barco - conta.
No Velho Continente, aportou na Espanha, fez ótimos contatos e foi à luta. Desbravando. E, claro, trabalhou com barcos. Ficou um ano e pouco e retornou para Santa Catarina. Estava na hora de concretizar os próprios projetos, criar uma identidade, mostrar o que tinha aprendido nestas andanças.
- Voltei pra Florianópolis, montei o escritório e comecei tentando vender um projeto para um e para outro, ainda era uma coisa muito embrionária. Todo mundo queria um projetista vindo de fora.
No início, desenhou um barco para um amigo, "uma lanchinha". Como projetista, a vida estava um pouco áspera. Pensou em alugar lanchas em Canasvieiras, na época outro point, familiar, badalado, movimentado. Ri alto quando lembra que a projeção de lucro era de R$ 30 mil - só em 2012, ele investiu R$ 30 milhões em sua fábrica de sonhos. O amigo precisou ser pressionado para montar a tal lanchinha e, no meio da conversa, acabou vendendo as fôrmas, um rolo de manta e um tambor de resina de vidro para o projetista. Atualmente ele se orgulha de ser o maior consumidor de resina para náutica deste país.
- Eu tinha que fazer as coisas e comprei metade de um estaleiro junto com um amigo da família. Só que eu meti uma visão diferente do negócio, com uma velocidade que o sócio não aguentou. Não tinha capital de giro, apenas um talão de cheques do Banco do Brasil. Eu desenhava, fazia e vendia. Faltava um parafuso, saía para comprar, rodando numa Parati. Foi assim que começou.
Foi assim que, em 1992, nasceu a Schaefer Yatchs, hoje uma fábrica com estaleiros em Florianópolis, Biguaçu e Palhoça, produtora de 10 modelos de barcos que vão de 26 a 80 pés e podem custar até R$ 12 milhões. Foi o Schaefer 800, de 80 pés, quase 25 metros de comprimento e 50 toneladas de peso, que consolidou o tamanho da realização do empresário. É o maior barco construído por uma empresa nacional. Entre os parceiros, a Pininfarina, responsável pelo design de marcas como Ferrari e Maseratti, que decorou a Phantom 600 (60 pés).
Suas criações são vendidas para empresários como Michel Klein, das Casas Bahia, e celebridades como Luciano Huck e Zeca Pagodinho.
Em águas nacionais, pouquíssimos iates são maiores que o Schaefer 800 - nesta seleta lista, há o Pershing 115, de Eike Batista, com 35 metros e produzido pela fabricante italiana Spiriti Ferretti; o Azimut 100, modelo topo de linha do estaleiro italiano Azimut, com 30 metros, e o Falcon 115, do cantor Roberto Carlos, com 35 metros.
Foto: Ricardo Wolffenbüttel
Madrugadas com Eros Ramazoti
Mesmo com um batalhão de colaboradores, os projetos continuam saindo das madrugadas ao som do italiano Eros Ramazzotti (ou um bom e velho rock'n'roll). Quando a maioria está dormindo, Marcio Schaefer solta a imaginação. Ele gosta de acompanhar todos os processos, da produção à venda. Só lança um produto novo no mercado - e as feiras de náutica o aguardam com ansiedade - quando "ele tem pernas próprias". Traduzindo, quando estiver sendo fabricado na velocidade que ele quer.
- Fazer um barco qualquer um faz, Cabral já fez isso... O importante é fazer um barco de série, um produto comercial, consolidar a produção, a venda. Esse é o meu negócio. Eu sou um cara muito humilde na hora da criação e me abro muito ao que está acontecendo no mundo. Eu vou a todas as feiras, conheço todos os barcos, viajo o mundo pesquisando. Eu não sou inventor, sou projetista. Então tenho que pegar a melhor ideia do que está acontecendo no mercado. A gente acaba inventando alguma coisa, mas não é esse o meu trabalho - define.
O sucesso de seus barcos é resultado de uma vida inteira de dedicação. O lazer e o trabalho se misturam. Uma coisa não se separa da outra. Quando quer silêncio, tomar um bom vinho e cozinhar - a filha, Barbara, que acompanha a entrevista, revela que o pai faz risotos elogiadíssimos -, prefere deixar a pessoa jurídica de lado. Na casa no Canto da Lagoa, as cozinheiras sabem exatamente o que o patrão gosta de ver à mesa. O preparo do bacalhau, outra de suas especialidades, foi, por exemplo, ensinado passo a passo para a equipe.
- Sou chato, sou detalhista. Eu relaxo saindo de barco, tenho um 26, pequeninho. Tenho um 62 no clube, mas não uso. Quando todo mundo está indo para o Tinguá, eu quero ir para outro lugar para curtir o mar, para relaxar. Gosto que o ritual de cozinhar dure horas. Se não for assim, vou comer fast food.
Em 2012, Marcio comemorou os 50 anos com um festão onde tudo começou. Recebeu no Iate Clube de Florianópolis amigos, representantes de todo o Brasil, funcionários e familiares. Não tinha motivos para não celebrar em grande estilo.
- É bom chegar nesta idade e ter feito as coisas que a gente fez. Quando somos jovens não sabemos o que será do futuro. Eu queria fazer as coisas que eu fiz. A maior alegria que posso ter é o reconhecimento profissional e a minha família. A equipe que tenho também me orgulha, são as pessoas com quem eu posso contar. São pessoas que ajudamos a formar, é muita gente que faz parte desta história. São muitas vidas, são pessoas que não eram nada há 20 anos. Eu peguei muita gente desacreditada e fiz o cara ser um profissional respeitado. Gente que deve a vida a mim, de certa forma - encerra.