Por Léo Gerchmann
Jornalista, autor de "Coligay, Tricolor e de Todas as Cores" (2014), entre outros livros
Escrevo sobre o Voltaire Schilling nas honradas condições de aluno e, depois, de amigo. Ambas me provocam gratidão. O Voltaire nos ensinou a amar a História e entender a complexidade da vida. Até por isso, ele respaldaria o costumeiramente recriminado uso de um clichê pra lá de surrado. Então, vamos lá: a ausência do Voltaire emburrece nosso meio social. Baita clichê, né?! Mas o Voltaire entenderia que definir todo clichê como necessariamente inadequado é, aí sim, o lugar comum tolo e vazio que devemos sempre evitar. As palavras estão aí para serem pensadas e bem usadas. E como ele sabia pensá-las, usá-las e repeti-las se necessário, sempre orientado pela racionalidade e pela visão ampla dos verdadeiros intelectuais!
Voltaire era a unanimidade inteligente - perdão, Nelson Rodrigues, mas ela existe, e ele é a prova disso. Clichês também podem ser tolos e vazios… Pergunte aos alunos do Colégio Israelita Brasileiro (CIB) nos anos 1970 e 1980 qual sua grande referência. Tenho a resposta, certamente unânime! Com todo o respeito aos outros, em sua maioria excelentes, Voltaire era a luz, suave e intensa. Não só nos ensinou a amar uma boa história, mas a ler. Dentre milhares de ex-alunos, deixou seguidores em humanismo e, de forma muito direta, rebentos como os historiadores Claudia Wasserman, Gilberto Kaplan, Leo Piltcher e Ilton Gitz.
Ilton Gitz, aliás, é tido como seu sucessor. Como sei disso? Ora, o CIB foi meu único colégio. Saí de lá em 1981 para entrar no Jornalismo da UFRGS. E hoje sou pai de alunos que também tiveram nele sua única escola. Logo, sei do que falo quando me refiro a essas décadas de afeto, conhecimento, humanismo e zelo pela cultura. Curiosamente, no ano em que Voltaire se despede, o CIB completa seu centenário, numa trajetória em que ele é protagonista.
Ao falar sobre Voltaire, nem me refiro à quantidade de vezes em que ele foi meu professor _ de História Geral e História da Arte no CIB, de uma cadeira opcional da UFRGS e no Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado da RBS (em que deu aula sobre História do Século 20). Nem das nossas conversas ou de quando o levei para palestrar e autografar livro na sinagoga Centro Israelita, onde eu participava do grupo cultural Alef (o salão lotou, claro!). Mas descartemos a quantidade. Falo em qualidade: Voltaire iluminou caminhos, o meu e os de muitos.
A experiência de tê-lo à frente, giz numa mão e cigarro na outra, falando sobre a sabedoria ilustradora da Grécia Antiga ou a ignorância criminosa da Alemanha nazista, era sempre uma enorme e continuada vivência. Quando algum aluno estava com o olhar vago ou curava a ressaca da noite anterior naqueles transgressores anos de abertura democrática, ele lhe pousava a mirada atenta e, minutos depois, chegava discretamente, cuidando para evitar uma exposição contraproducente, e dizia ao pé do ouvido: "Senhor fulano (nessas ocasiões, nos chamava pelo sobrenome), não posso permitir que tanto talento seja desperdiçado". A bobeira alucinógena ou a ressaca etílica eram curadas no mesmo instante.
Costumo lembrar de marcas deixadas por professores. Brinco com a Sonia Sirotsky que, graças a ela, sou o trainee mais precoce da humanidade. A "Soninha" (é assim que a chamamos ainda hoje) me alfabetizou no CIB, e anos depois passei a escrever em jornal da família dela (este que você lê). O Paulinho, de Educação Física, me marcava cercando, sem dar o bote afoito, e depois me contou como o futebol pode nos ensinar sobre a vida. A Beti Zaslavsky mostrava a magia da lógica por trás da Matemática. O Sérgio Silva, de Português, me fez chorar de emoção em Buenos Aires quando eu, então correspondente da Folha de S. Paulo na Argentina (1997/98), entrei num cinema da Corrientes e vi o público portenho aplaudir de pé o seu lindo filme Anahy de las Misiones - Sérgio era também cineasta e diretor de teatro.
São inúmeros professores maravilhosos, são milhares de alunos gratos nos cem anos de CIB. E Voltaire, o mestre entre os mestres, traduziu e iluminou o que somos e representamos.
Muito obrigado, querido "moré"!
*Moré é professor em hebraico