O mais icônico carro do país desde que por aqui chegou, em 1950, importado da Alemanha, gravou seu nome na história como o modelo mais vendido no mundo, com mais de 21 milhões de unidades, sem contar as novas versões. Não é à toa que o Fusca mantém uma legião de admiradores que, muitas vezes, o transformam em protagonista de estilo de vida. É assim com o repórter fotográfico Nauro Júnior, de Pelotas, que viaja pela América do Sul a bordo de um modelo 1968, carinhosamente chamado de Segundinho. Antes dele, um modelo 1972, o Filó, iniciou a saga da Expedição Fuscamérica, que já soma em quatro anos mais de 40 mil quilômetros por sete países latino-americanos, além da Antártica.
Segundinho já levou Nauro e seus copilotos Caio Passos, Felipe Campal e Daniel Marenco para Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Paraguai, tendo como cenários Cordilheira dos Andes, deserto do Atacama, Salar de Uyuni, Lago Titicaca e Machu Picchu, além da Amazônia (entre outros Estados). Ainda com o 72, o copiloto foi Patrick Rodrigues.
O mais recente roteiro partiu de Pelotas até o Uruguai e Argentina, onde Nauro e Marenco dormiram uma noite no pé do monte Aconcágua. Seguiram, então, para o Chile, quando começou um novo percurso, subindo a América pela Ruta 5, em direção ao deserto de Atacama e, dali, em direção à Bolívia. Nesse país, dormiram uma noite em Oiague, no pé do Vulcão Nevado, a uma temperatura de -3ºC. Seguiram por 400 quilômetros de estrada de chão batido e chegaram a Uyuni, onde fica o Salar de Uyuni, um deserto de sal que normalmente só recebe veículos 4x4.
– Aconselharam-nos a não irmos com o Fusca porque não conseguiríamos passar. Mas fomos. E talvez tenha sido o lugar onde rendeu as fotos mais lindas de toda a viagem – conta Nauro.
O roteiro seguiu para o Peru – Machu Picchu e Cusco. A viagem seguiu o trajeto de volta, então, para o Brasil, pelo Acre, passando pela rodovia Transoceânica, considerada a mais alta do mundo entre as asfaltadas. Nauro, Daniel e Segundinho andaram a 4.721 metros, até Rondônia, onde, em Porto Velho, tiveram de fazer uma "geral" no carro, que enfrentava uma pane elétrica. De lá, seguiram para o Mato Grosso, em Cuiabá, centro geodésico – o meio – da América do Sul. Em seguida, para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, seguindo para Paraguai e Argentina. Voltaram às terras gaúchas e brasileiras por São Miguel das Missões. Foram 40 dias de viagem.
Pelo caminho, José Mujica
A paixão pelo Fusca une seus seguidores. Não poderia deixar de ser diferente nas viagens de Nauro. Paisagens e culturas vão se diferenciando, mas a solidariedade e calor humano, conta ele, são recorrentes. Na mais recente aventura, Nauro e Daniel puderam compartilhar momentos com os irmãos e músicos uruguaios Daniel e Jorge Drexler. Jorge recebeu o Oscar de melhor canção em 2005, como autor de Al Outro Lado del Río, tema do filme Diários de Motocicleta. Tiveram, também, a oportunidade de entrevistar novamente o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, um apaixonado por Fusca, e de cruzar pelo Rali Dakar.
– Quando as pessoas viram um Fusca cruzar a linha de chegada do rali, nos aplaudiram muito. Foi incrível – diverte-se Nauro.
Os fusqueiros, conforme ele, são muito unidos. Mesmo que Segundinho tenha se mostrado muito valente, por momentos demonstrou uma fragilidade típica da idade. Mas, com um probleminha aqui e outro ali, nunca deixou seus ocupantes empenhados na estrada.
– Nunca ficamos empenhados e tivemos que chamar um guincho. Eventualmente, procuramos oficinas especializadas para solda ou problema elétrico. Quando saímos do Salar, o arranque estava trancando por causa do sal. Tínhamos um arranque novo e trocamos o alternador – lembra o viajante.
Em Porto Velho, o presidente do Fusca Clube estava esperando os gaúchos, pois os acompanhava pela internet, viu que estavam com uma pane elétrica.
– Chegamos e ele nos levou ao eletricista, que fez uma geral, cobrando apenas as peças a preço de custo – conta Nauro.
Para ele, cada problema que o Fusca apresentava era uma oportunidade de conhecer mais pessoas.
Pequeno guerreiro
O Fusca 1968 é o carro do dia a dia de Nauro. Não é carro de colecionador. Com motor 1300, original, as únicas adaptações feitas foram a colocação de ignição eletrônica e um alternador, que é para carregar as duas baterias levadas para a viagem.
– Levamos muita peça de reposição nessa última viagem, p ois levamos o reboque – conta Nauro.
Por fora, o carro é todo original. Por dentro, recebeu bancos dianteiros mais confortáveis, que, muitas vezes, são reclinados e transformados em cama. O banco de trás não existe. É espaço de bagagens. É a vida de viajante.
No Brasil, história começou em 1950
Em 1950, as 30 primeiras unidades do Fusca foram trazidas para o Brasil. Três anos depois, a fabricação começou em São Paulo, onde a VW instalou a primeira unidade. A produção mudou para São Bernardo do Campo (SP). Foram feitas 3,3 milhões de unidades no Brasil – 16% do volume mundial.
Em 1986, a VW desistiu de fabricá-lo alegando que estava obsoleto, apesar de ser o 12º carro mai vendido do país. Um dos motivos era a necessidade de abrir espaço na linha de montagem para o Santana, mais caro e lucrativo.
Em 1993, por sugestão do então presidente da República Itamar Franco, a empresa voltou a fabricar o modelo, apelidado de Fusca do Itamar. Foi aprovada lei que previa isenção de impostos para motores 1.0 e aos refrigerados a ar – o que beneficiou o Fusca e seu motor 1.6. O carro vendeu pouco. Em 1996, último ano de produção, a VW lançou uma série especial, a Ouro. Entre 1993 a 1996, foram produzidos 47 mil exemplares.
Frio Antártico
Pouco tempo depois, em dezembro de 2015, a Expedição Fuscamérica partiu para a Antártica. A convite da Marinha do Brasil, Nauro Júnior e o fotógrafo e cinegrafista Felipe Campal participaram da 34ª Operação Antártica. A dupla percorreu 4 mil quilômetros durante seis dias, cruzando o deserto patagônico para chegar até a cidade de Punta Arenas, no Chile. Lá estacionaram o Segundinho e embarcaram em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) rumo ao continente Antártico.
Permaneceram na Estação Antártica Comandante Ferraz por três dias, conhecendo a rotina dos pesquisadores e desvendando os encantos daquele templo de preservação. A travessia de volta ao Chile foi feita a bordo do Navio Polar Almirante Maximiano, onde navegaram por seis dias, cruzando o lendário Mar de Drake e os Canais Chilenos.
Na cidade mais austral do continente americano, Punta Arenas, começaram o caminho de volta, totalizando 8 mil quilômetros rodados na maior de todas as incursões.
Estrela não solitária
A mais recente viagem contou com um reboque, feito a partir de um Fusca que a filha Sofia, 11 anos, ganhou de presente de um amigo da família, há dois anos.
– Ele estava estragando no pátio e um dia a convenci de que se ela me desse este Fusca, quando ela fizesse 18 anos eu darei um dos meus a ela – revela Nauro.
O Fusca foi cortado ao meio e adaptado para um reboque.
– Foi sensacional como as pessoas se encantavam. Não era mais um Fusca viajando. Era um Fusca e meio. Muita gente nos fotografava pelas cidades e começavam a nos marcar na página do Facebook. Há lugares que passamos e nem sabíamos o nome. Com a interatividade da comunidade, ficávamos sabendo – lembra.
Os 40 mil quilômetros, e mais os que virão, conforme Nauro serão registrados em documentário e livro que já têm aprovação na Lei Rouanet. O filme está quase pronto. Só falta o último episódio. E talvez o mais importante:
–Descobri que a grande história da minha viagem será viajar com minha família– diz Nauro.
Em julho, ele viajará para a Cordilheira dos Andes, no Chile e Argentina, com Gabí, sua esposa, e a filha Sofia. Para tanto, o veículo receberá melhorias, como um isolamento térmico melhor, devidas às baixas temperaturas que enfrentarão.
Em maio de 2018, o roteiro será para a Europa e Rússia, para Copa do Mundo, também ao lado da família. O Fusca será enviado em contêiner.
Ao que tudo indica, Nauro já tem uma herdeira de sua paixão. A filha adora o Fusca, mas não apenas como um carro. Para ela, o veículo é sinônimo de liberdade, emoção, simplicidade e um meio de viajar pelo mundo. A Sofia sabe das coisas.
Cinco anos de estrada
Tudo começou para Nauro em 2012, quando ele fez a travessia entre a Praia do Cassino, em Rio Grande, e a Barra do Chuí, em Santa Vitória do Palmar. Foram 800 quilômetros pela areia, em uma viagem de quatro dias a bordo do Filó, o Fusca 1972. Em 2014, já com o 1968, a viagem foi ao Uruguai.
A terceira viagem teve como incentivador o amor Xavante. A partida entre o Brasil e Flamengo, pela Copa do Brasil, levou a dupla Nauro e Caio Passos ao Rio, em março de 2015. Foram 4,3 mil quilômetros em sete dias.
O desejo de pegar a estrada continuou e a Expedição Fuscamérica partiu em setembro do mesmo ano para uma fase mais gelada. Com roteiro para cruzar por quatro países, Nauro, Caio e Segundinho saíram da Praia do Cassino rumo a Viña del Mar, no Chile.
A rota entre Brasil, Uruguai, Argentina e Chile teve como cenário mais marcante a Cordilheira dos Andes e o desafio de atravessar a montanha em pleno inverno, coberta de neve, foi vencido bravamente pelo fusquinha. O trio atravessou a América do Sul de Leste a Oeste, do oceano Atlântico ao Pacífico, rodando mais de 6 mil quilômetros em 13 dias.