Um grande fracasso jamais pode ser esquecido. Ele precisa ser, em qualquer área da atividade humana, referencial para tentativa de acertos futuros através das lições deixadas. Até o dia 14 de dezembro de 2010, não havia algo tão decepcionante na história colorada quanto o que aconteceu no estádio do Al Jazeera em Abu Dhabi.
Franco favorito, com uma preparação especial focada no Mundial de Clubes, cheio de cuidados rígidos e vendendo para o torcedor um otimismo gigante, o Inter decepcionou e surpreendeu o mundo ao ser derrotado pelo Mazembe, clube da República Democrática do Congo e campeão africano, perdendo a chance de chegar à final.
Quem viveu aquele episódio in loco tem total propriedade para apontar, uma década depois, motivos que causaram a grande decepção da nação colorada, em especial dos quase 10 mil torcedores que foram aos Emirados Árabes na mais amarga, e cara, viagem de todas as que acompanharam o clube.
O Inter havia mergulhado na soberba meses antes. De boca cheia, dirigentes e comissão técnica falavam em "estratégia para o Mundial". Houve o abandono do Brasileirão para a correção de problemas da equipe como a pouca contundência apesar do volume de jogo. Também se valorizou a preservação física dos atletas que estariam num ponto ideal para o Mundial.
Nada deu certo. Na despedida de Porto Alegre, houve uma festividade típica do "já ganhou" ou "oba-oba", algo que para torcedores poderia valer, mas que contaminou o grupo.
Ficou tão claro isto que o ex-zagueiro colorado Lúcio, após a eliminação do Inter, lamentou rispidamente nos microfones que não disputaria a final pela Inter de Milão contra seu antigo clube porque houve "desprezo" e "falta de respeito" pelo adversário na semifinal.
Além disso, a logística preparada com voo charter até o Oriente Médio também se revelou desastrosa, com um avião desconfortável e uma rota que incluiu uma parada longa e tensa na Nigéria, com direito a soldados armados cercando o avião.
Nos Emirados Árabes, a receita vitoriosa de quatro anos antes no Japão foi rasgada em termos de relacionamento do clube com torcedores, seja diretamente como através da mídia. A blindagem era total e constrangia as pessoas até de cumprimentos cordiais e triviais. Os jogadores, mal orientados, se intimidavam de dar "bom dia" a hóspedes no hotel porque poderiam infringir os regulamentos internos. Entrevistas? Nem pensar, ainda que todos estivessem hospedados num mesmo local. Só dirigentes falavam, com o peito estufado de quem já se achava bicampeão.
O jogo contra o Mazembe, há exatos 10 anos, apenas fez desmoronar um castelo da soberba. Os problemas de campo, como a falta de efetividade, reproduziram-se tal qual no Brasileirão abandonado, o que denotou o fracasso daquela preparação tão metódica. Nada melhorou. O tempo foi desperdiçado coletivamente, e as individualidades da equipe também não resolveram.
Restaram daquele jogo as dívidas dos torcedores, vítimas dos equívocos do clube e que financiaram uma longa e dispendiosa viagem, uma das maiores flautas da história do futebol gaúcho que até hoje é reeditada pelos rivais gremistas e um fracasso que durou 16 anos como o maior da história do clube.
Coube a 2016 ser o ano do rebaixamento para a segunda divisão brasileira. Os colorados acabaram amargando uma dor maior por se tratar de algo muito mais local, epidérmico e duradouro. A derrota para o Mazembe jamais será esquecida, mas algumas de suas causas foram repetidas anos depois numa humilhação mais dolorida. Se em 2010 havia o espírito do "já ganhou", seis anos depois foi proferida a falsa frase "time grande não cai". Vivendo um momento de crise, os colorados precisam urgentemente tirar do passado lições para promoverem uma recuperação.