Uma das estratégias mais usadas para resolver problemas no Brasil é apostar no esquecimento. Na semana que vem, uma crise maior ocupará o espaço da urgência de hoje. E, geralmente, é isso o que acontece.
Escrevo essa introdução para justificar a volta a um assunto abordado aqui, no começo do ano: as calçadas de Porto Alegre. De fato, estamos diante de uma demonstração brutal de desrespeito e de descaso. Buracos, obstáculos e desníveis transformam caminhadas em aventuras de alto risco. Especialmente para quem empurra carrinhos de bebê, para pessoas com deficiência e para as pessoas idosas, que têm características motoras e sensoriais específicas.
Quando, no começo do ano, escrevi sobre isso, recebi vários e-mails concordando com a necessidade de resolver a questão. Um senhor de mais de 80 anos relatou que havia tropeçado em um buraco e fraturado um braço. Uma outra senhora confessou o medo de sair de casa para um passeio breve, pois as calçadas na sua rua não ofereciam condições mínimas de mobilidade.
Encontrei também, na época, o prefeito Sebastião Melo. Ele me contou que estudava uma solução. Há duas principais: fiscalizar e exigir o cumprimento da lei que obriga a cuidar das calçadas ou a prefeitura assumir a tarefa. Pode ser ignorância minha, mas procurei a sequência do assunto e não a encontrei.
O prefeito Melo é um gestor preocupado com as coisas da cidade. Conhece cada esquina e cada beco de Porto Alegre. Sei que as crises e os problemas se empilham sobre sua mesa. Sei também que a questão das calçadas talvez não seja prioridade em uma metrópole gigantesca e desafiadora como é a capital dos gaúchos, que passou, por exemplo, por graves enchentes durante o ano. Mas a prefeitura bem que poderia encarar o tema, que tem a ver com o direito básico de ir e vir, com sustentabilidade (mais caminhadas, menos carros nas ruas), com economia (caminhar ajuda o comércio de bairro), com saúde (exercícios físicos são fundamentais) e com segurança (mais movimento na rua, menos assaltos).
Agora, que minha filha já tem mais de dois anos e depende cada vez menos do carrinho, tenho ainda mais convicção sobre o tema, porque não o defendo em causa própria.
O poeta espanhol Antonio Machado nos deu um dos versos mais lindos até hoje escritos: “Caminhante, não há caminho. Se faz caminho ao andar”. Se vivesse em Porto Alegre, teria trocado “andar” por “tropeçar”.