Uma das principais lideranças do setor industrial no Brasil, Jorge Gerdau decidiu escrever o livro A Busca - Os aprendizados de uma jornada de inquietações e realizações (Editora Citadel), que será lançado em 28 de novembro. A obra, segundo ele, aborda a inquietação de encontrar caminhos para alcançar a excelência e outras qualidades no negócio ou qualquer atividade. O empresário recebeu GZH em sua residência, em Porto Alegre, para a entrevista na qual falou sobre o livro, as experiências à frente dos negócios, a tecnologia, a reconstrução do Rio Grande do Sul após a enchente e uma de suas paixões, os cavalos.
Por que o senhor foi adiando essa decisão de contar sua história?
Tive muito forte essa pretensão de escrever. Procurei, na minha vida, sempre trabalhar muito e não desenvolver vaidades. Isso vem de uma cultura influenciada pelos meus pais, de não criar falsas vaidades e coisas desse tipo. Então, esse tema da obra sempre me levava um pouco para uma visão de autopromoção e vaidades. E isso não fechava muito com o meu conceito de condução comportamental. Eu praticamente refuguei a ideia de fazer o livro. Acho que fiquei quase uns 10 anos cozinhando se iria escrevê-lo ou não.
O título do livro se chama A Busca. O que o senhor busca?
Originalmente, o título seria A Busca da Excelência. Mas esse tema é tremendamente complexo. Na minha formação, no meu processo de trabalho, de vida, sempre busquei muito a excelência. Mas sobre o tema de excelência, se você não cuida, você extrapola para a vaidade. Tirei a palavra excelência (do título) porque, na verdade, o tema mais importante é a busca, a inquietação de encontrar caminhos. A excelência, indiscutivelmente, é um tema importante em termos de qualidade. Gerimos a Gerdau sempre com o conceito de qualidade total. No fim, eu dizia: “Cada um tem de ter a sua excelência, e não um conceito amplo de querer ser perfeccionista”. A excelência é uma coisa meio impossível. Fiquei com o termo da busca. E eu fiquei muito feliz com a palavra, porque, na realidade, essa palavra é profundamente estimulante no sentido que a pessoa busque eficiência, impacto social, dimensão ambiental.
No livro, o senhor escolhe 23 palavras que considera fundamentais. Algumas o senhor já citou aqui: humildade, excelência. Das 23, qual é a mais importante?
É a primeira palavra: respeito. Aí novamente tem o fator cultural, norte-europeu. De forma geral, o tema do respeito ao próximo. O respeito em tudo que a gente pratica, né? Se tu puderes praticar com respeito, é mais construtivo, é mais positivo. Seja na convivência com os operários... Aprendemos na nossa vida empresarial, com cultura da família, a respeitar o menor colaborador da mesma forma como se respeita o principal engenheiro. O respeito ao porteiro, ao menor colaborador na empresa. Isso estabelece uma mentalidade de colaboração. A primeira palavra é respeito, a última palavra (da lista) é o amor.
A primeira palavra é respeito, a última palavra (da lista) é o amor.
Como o senhor está vendo esse novo mundo tecnológico?
É uma situação quase privilegiada. Porque comecei a trabalhar ainda em estruturas quase primárias. Fiz diário de contabilidade, etapas de mimiógrafo, depois máquinas xerox, todas as coisas já foram evoluções extremamente rápidas. Sobre as novas tecnologias, o ponto mais interessante é que nós todos somos impactados nesse sistema. Mas talvez ninguém pudesse prever que isso se acelerasse de uma forma tão acentuada. É quase impossível hoje estar atualizado tecnologicamente. É preciso encontrar caminhos de como conviver com esse processo. A gente tem de tentar se movimentar nesse caminho todo, mas nos próximos anos vamos viver um cenário de modificações na estrutura do trabalho, das relações sociais e inclusive das religiões.
Como o senhor está vendo tudo o que vivemos no Rio Grande do Sul recentemente: a tragédia das águas, a dificuldade em reconstruir o Estado. Qual o papel das grandes empresas diante desse cenário?
O tema é assustador. Estou preocupado com o cenário das coisas como estão acontecendo. Lógico que aí tem um pouco de cacoete de empresário, viciado em analisar, planejar coisas a médio e longo prazos. Com todas as informações disponíveis, não consegui ainda sentir, na realidade, a dimensão do problema que tivemos, de quanto tempo vai levar, o que falta fazer, principalmente em cidades que praticamente foram arrasadas. Onde é que vai esse pessoal? Qual é a estrutura de realocação? A parte da educação, tenho acompanhado um pouco, acho que mais ou menos estão conseguindo quebrar o galho. Gostaria de poder responder, se vamos precisar de dois, três anos, ou 10 anos. Eu não sei se alguém sabe responder.
O que mais lhe preocupa?
É que não está existindo inquietação sobre essa resposta, porque eu diria que o problema tem uma dimensão tal, sob o aspecto econômico e social, principalmente social, que eu não consigo me sentir socialmente tranquilo, ou até com a minha responsabilidade pessoal, com a minha comunidade, eu não consigo enxergar satisfatoriamente o todo. Então, estou com uma inquietação absolutamente desagradável, não estou conseguindo nem mencionar aproximadamente. De outro lado, eu vejo o Estado ou as coisas com uma certa vitalidade acontecendo, que eu fico até surpreso. Se você olha os números que já foram atingidos nos patamares da arrecadação, como é que é possível? Tão rápido. Eu me sinto inquieto com a nossa comunidade, porque não estou conseguindo fazer o que eu devia tentar fazer. Embora nós estejamos participando enormemente com os projetos, com decisões da família e da empresa. Mas, na frente, eu não estou conseguindo enxergar. Ninguém está conseguindo enxergar. Muito difícil. Eu me acho incompetente para responder. É uma sensação muito desagradável.
Voltando ao livro, é difícil empreender no Brasil. Que sugestão daria a quem deseja ter uma empresa no país?
Na minha experiência de negócios, o principal fator é o entendimento ou domínio do “core business” (o coração do negócio, ramo de atividade). É um tema que, no meu entender, em termos tecnológicos ou acadêmicos, não é suficientemente debatido. Mas o domínio da essência, daquilo que eu vou produzir, é o domínio absoluto. Isso vale para qualquer tipo de atividade. Ela é decisiva para poder construir os passos empresariais. Se tem curiosidade ou interesse por alguma coisa, estuda a matéria, estuda o mercado, analisa. Mesmo que você comece pequeno, para conhecer, para realmente fazer. O sucesso das empresas, no meu entender, está diretamente relacionado à proporção ao domínio do core business. Vou, de uma forma quase irresponsável, dizer assim. Tem uma história do pai pobre, filho rico, neto falido. Por que isso acontece? Porque o pai e o filho conhecem profundamente o negócio. Mas, normalmente, quando o pai fica rico, ele diz assim: “Não quero que o meu filho vá sofrer tudo que eu sofri para chegar onde nós chegamos”. Mas, olha, se ele não sofrer e ficar só com os títulos da academia, ele não vai conhecer o core business. E isso é um tema que, no meu entender, não é debatido suficientemente. Tenho convicção absoluta de que esse é o fator.
O sucesso das empresas, no meu entender, está diretamente relacionado à proporção ao domínio do core business.
Quando olha a Gerdau hoje, no século 21, o que tem na empresa que ficou daquela época da fábrica de pregos?
Realmente, no produto pregos, sabíamos trabalhar muito bem mercadologicamente. Talvez a maior habilidade foi a estrutura comercial, que nos deu condições de crescer na produção. Hoje, olhando o nosso negócio global, temos três core business que orientam o nosso negócio: o suprimento da matéria-prima de seu capital, como organização, cultura, logística. Segundo, o domínio total das tecnologias de produção, com equipamentos melhores do mundo. E a terceira é comercialização, que nós trabalhamos com 120 mil clientes. Então, são três atividades com absoluto domínio de conhecimento acumulado, e que se passa de geração a geração.
Falando sobre a sua vida fora da empresa. Eu sei que o senhor gosta muito de cavalos e esporte. O que o senhor aprendeu com os cavalos?
O cavalo aprimora aquilo que tem de se procurar na busca por conhecimento. Na educação do cavalo, é como uma criança no colégio. Começa com uma doma, sem brutalidade. Se você faz uma doma sem brutalidade, o cavalo confia em você. É uma relação de diálogo, cavalo-cavaleiro, extremamente importante. Como é que eu construo esse diálogo com o cavalo? Como qualquer diálogo. A gente trabalha com os dedos e as rédeas, o contato na boca, a espora e a perna. E como trabalha isso? Isso é um diálogo que se tem de ter com o cavalo. Os melhores cavaleiros são os que melhor dialogam com o cavalo. O melhor surfista é aquele que dialoga melhor com o mar.
E a palavra sustentabilidade, o que diz ao senhor?
Adoro a palavra sustentabilidade. Porque a palavra, sozinha, nos aproxima com esse processo absoluto comportamental, que você tem de dar para as coisas se sustentarem. Então, a palavra sustentabilidade, para mim, é 10 vezes melhor que qualquer outra explicação. Porque eu, sem a sustentação desses três fatores (ambiental, social e econômico), não consigo prosperar. A sustentabilidade do ambiental com o social e o econômico é que faz o processo funcionar.
O senhor se considera um homem espiritualizado. O senhor tem religião específica?
Tenho uma descendência evangélica luterana, alemã, que indiscutivelmente tem aspectos positivos, interessantes. O próprio nascimento foi num debate, um crescimento de valores, um conflito de valores. Acho que as religiões são necessárias, são meios. Hoje, algumas religiões exageradamente operam materialmente. Mas “mal com elas, pior sem elas”. Na realidade, eu me sinto uma pessoa bastante espiritualizada. Como um todo, eu acho que elas são úteis no processo educativo.
E o amor?
Eu tenho uma palavra-chave em relação a isso. Sem amor, você não faz nada de grandioso. Essa conjugação emocional, de fazer as coisas com amor, é o mais importante que existe. Tendo o amor na construção das coisas, elas não têm mais limites. O amor é uma peça absolutamente vital na condução do nosso comportamento.