Preste atenção nessas duas manchetes: “Invasão em terra indígena chega a 20 mil garimpeiros, diz líder yanomami”. “Mães yanomami imploram pelos corpos dos seus bebês”. Ambas as notícias apareceram quando inseri, em um buscador da internet, os termos “yanomami 2019” e, depois, “yanomami 2020”. A primeira foi publicada pela Folha de São Paulo. A segunda, pelo El País, da Espanha, em português. Há mais, na mesma linha. Muito mais. Ative-me a esses dois anos, mas, certamente, um fio único liga, há décadas, histórias de esquecimento, omissão e dor dos povos da floresta.
Terminada a minha rápida pesquisa, surgiu a pergunta: por que só agora a tragédia humana dos yanomami virou assunto planetário, ocupando manchetes e redes sociais? Por que só agora celebridades postam sua indignação e nós, cidadãos e cidadãs desse país, estamos em choque com as imagens das crianças definhando? Especulei várias hipóteses. Estacionei em uma: porque um presidente da República esteve lá. E porque outro não esteve.
É uma simplificação, obviamente, mas revela alguns traços sobre os quais vale a pena refletir. Primeiro: a luta política ofuscou a luta por princípios e por causas relevantes. Segundo: é vergonhoso que essa situação só se torne relevante depois que um presidente aponte o dedo na direção dela. Isso mostra como somos, no fundo, massa de manobra. Não deveríamos precisar de Lula e de Bolsonaro para agir em questões tão relevantes, mesmo que o governo tenha muito poder e legitimidade para intervir em situações como essa.
As denúncias vinham sendo feitas havia muito tempo. Não nos comoviam. Estávamos ocupados demais na eterna campanha eleitoral, odiando um lado e amando o outro. Há uma frase célebre, atribuída a um monte de gente. Ouvi-a pela primeira vez na década de 1990, na redação de Zero Hora: “Mais Brasil, menos Brasília”. Era o mantra de uma campanha contra o oficialismo, o jornalismo declaratório e a armadilha na qual nunca deixamos de cair: precisamos que um presidente viaje aos confins do Brasil para que nos espantemos com o que já sabíamos. Que a louvável solidez das nossas instituições fique sempre evidente, não apenas quando elas são covardemente atacadas. Aliás, o que acontece na Amazônia também é um ataque às nossas instituições democráticas, mesmo que elas tenham demorado tanto para perceber. Elas e todos nós.