O vídeo do ex-secretário da Cultura Roberto Alvim só se transformou em "inaceitável", "acintoso", "descabido" e "infeliz" depois da descoberta de que copiava um discurso do ex-ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels. Antes, não era.
Olhando para o Brasil de hoje, concluo que, se Goebbels não tivesse dito aquilo, o pronunciamento de Alvim se transformaria em apenas mais um, da mesma linhagem. É grave que o ex-secretário da Cultura tenha parafraseado um ministro de Hitler. Mas, mais grave ainda, é o conteúdo da sua fala, deixado em segundo plano na onda de indignação que, felizmente, uniu o país.
O embate ideológico anestesiou o Brasil a tal ponto que só um grande choque nos tira da letargia. Um choque do tamanho de uma Guerra Mundial e do massacre de milhões de gays, inimigos do regime, judeus, artistas, pessoas com deficiência e ciganos, entre tantos outros.
Alvim defendeu uma arte "heroica e nacional, dotada de uma grande capacidade de envolvimento emocional e que será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada".
Palavras impactantes, dispostas em uma estrutura de texto sedutora. A arte, porém, não precisa ser heroica. A arte pode até ser covarde. Arte nacional? E se um haitiano que mora em Porto Alegre escrever um poema sobre Porto Príncipe? Roberto Alvim ou Hitler? Qual deles compreende melhor as aspirações urgentes do nosso povo?
Há outros trechos da fala do ex-secretário, não copiados de Goebbels, igualmente assustadores, porque revelam uma visão absolutamente totalitária da cultura. Não cabe a qualquer governo definir parâmetros para a arte. O teatro, a dança, a pintura, a escultura, a literatura, as instalações, a música e o cinema nascem na sociedade e, se não forem plurais, aí sim é que serão nada. Em um país ainda tão dependente do dinheiro estatal nessa área, a responsabilidade é ainda maior. Cabe ao poder público irrigar o terreno de forma a que todas as culturas sejam contempladas. E que cada um escolha o que lhe fala ao cérebro e à alma.
Passado o brilho intenso de mais uma crise fugaz, resta o desejo de que toda essa indignação contra o vídeo do ex-secretário Alvim supere o nível da forma para, também, se voltar ao conteúdo, aos tantos discursos que não foram feitos por Goebbels, mas que poderiam ter sido.