O tradicionalismo gaúcho, como a gente o conhece hoje, foi inventado por Barbosa Lessa e Paixão Côrtes. Eles foram ao Uruguai ver um festival folclórico e lá tiveram a ideia de realizar uma pesquisa sobre danças que ainda faziam parte da cultura do interior do Rio Grande do Sul. Antes, nos anos 40, a inquietação já surgira no Colégio Júlio de Castilhos.
Tive a oportunidade, graças à TVCOM, de entrevistar ambos, mais de uma vez. Na primeira conversa ao vivo, Barbosa Lessa me nocauteou. Minha intenção era ser simpático, oferecer uma escada para ele discorrer sobre o regionalismo e a arrogância cultural dos que se julgam no centro. Mas, às vezes, as perguntas nascem tortas, talvez pelo tom de voz, muito pela inexperiência do entrevistador ou por algum gatilho do entrevistado que a gente aciona sem querer. Meu questionamento foi mais ou menos assim: “Quando a gente sai do país, vê que o Brasil é representado pelo Rio de Janeiro, por São Paulo e, mais recentemente, pela Amazônia. Por que o gaúcho não consegue se afirmar como símbolo nacional?”.
Barbosa Lessa, o pai do tradicionalismo contemporâneo, franziu o cenho e disparou uma frase de efeitos devastadores para um então jovem jornalista: “O senhor está mal informado”. Congelei. Lembro de, meio gaguejante, tentar me explicar. Obviamente, só piorei. Barbosa Lessa começou a discorrer sobre a relevância do gaúcho e sobre fatos que eu desconhecia, mas deveria saber. Só parei de tremer quando, finalmente, chamei os comerciais.
Felizmente, a história não terminou aí. Intuo que, ao chegar em casa, ou no outro dia, alguém deve ter limpado a minha barra. Talvez por haver entendido a real intenção da minha pergunta. Na época, pela dimensão do entrevistado que me criticava tão duramente, cheguei a temer pelo fim da minha precoce carreira. Temor infundado, mas real.
Um par de meses depois, Barbosa Lessa voltou ao Estúdio 36. Do jeito dele, se desculpou. Nem precisava. Conversamos, depois da chapuletada inicial, várias vezes. Hoje, aquele episódio virou um sorriso de carinhosa recordação. Agradeço o privilégio de ter, ao meu lado, tantas vezes, esse homem que ajudou a entender o Rio Grande de um jeito fundamental e diferente.