As recentes rusgas envolvendo Olavo de Carvalho e o governo Bolsonaro são a mais nova prova de uma antiga verdade: no campo ideológico, teoria e prática são diferentes e, quase sempre, entram em choque. Teóricos radicais têm dois caminhos se não compreenderem que a realidade concreta e já estabelecida é uma variável que precisa ser considerada. Ou fracassam, ou se transformam em autoritários.
Costumo comparar ideologias herméticas com uma camisa fabricada em um só tamanho, modelo e cor. Quando a roupa passa a ser mais importante do que quem vai usá-la, entramos rapidamente no campo de intransigência e, por que não, da burrice fantasiada de convicção.
Um governo democrático deve lidar com forças plurais, que vão além e independem da sua vontade, seja no Congresso ou na sociedade mais ampla. Por isso, não é necessariamente ruim que alguns segmentos mais radicalizados se afastem do Palácio do Planalto. Cada um tem o PSOL que merece.
No caso de Olavo de Carvalho, o primeiro alvo direto não foi Bolsonaro, mas o vice Hamilton Mourão e a ala militar do Planalto, com quem comprou briga pelo Twitter ao recomendar que seus alunos deixassem o governo.
Nesses tempos em que até o não dito gera ira e condenação sumária no tribunal da internet, reafirmo a minha admiração pelos pensadores liberais e por muitas de suas ideias. O liberalismo tem uma contribuição relevante a dar ao Brasil, pela sua defesa de liberdade e pela valorização do respeito ao indivíduo. Traço aqui uma linha clara entre os que pensam assim e os xiitas, que em pouco se diferem, do ponto de vista da postura arrogante e agressiva, dos seus antípodas da esquerda.
Um governo democrático deve lidar com forças plurais, que vão além e independem da sua vontade, seja no Congresso ou na sociedade mais ampla.
As ideias de Olavo de Carvalho, sem dúvida, enriquecem o debate nacional. Admiro sua coragem em um tempo em que liberalismo, no Brasil, era quase um palavrão. Mas tente entregar a ele a cadeira e caneta de presidente da República. Duas coisas poderão acontecer: o caos ou a suavização de algumas das suas posições. Não confundir com recuos ou contradições.
Se você tiver um plano teórico para chegar de um ponto a outro e, ao chegar no terreno real, encontrar uma montanha ou um rio, a única coisa que não ajudaria é fazer de conta que a topografia verdadeira não existe. Um país como o Brasil é bem mais complexo do que uma linha reta, traçada por pensadores geniais, mas que são teóricos. Camisas de um só modelo, cor e tamanho têm um nome bem conhecido: camisa de força.