A fruta é linda. Apareceu nas prateleiras de Porto Alegre durante o verão. O tipo mais comum é cor de rosa por fora e branca por dentro. Avistei-as na feirinha ecológica da Praça André Forster, na Avenida Neusa Brizola. Comprei duas.
Adoro pesquisar curiosidades. Digitei "pitaia" e um novo mundo se abriu na tela do computador. A planta é da família dos cactos. Sua folha lembra a da flor de maio, mas é gigante. Aprendi - e já testei - uma receita bem fácil de sorvete, que fui aperfeiçoando nas últimas semanas. Comprei mais três pitaias na sequência.
Mas foi o tutorial sobre "como plantar sementes" que me desafiou. Vi três vezes e segui os passos ao pé no vídeo:
1- Raspar as sementes da fruta.
2- Lavar.
3 - Deixar secar sobre um guardanapo limpo.
4- Plantar direto em um vaso.
Eu tenho um grande. Era o lar de um pé de tomatinho que não resistiu ao calor e ao Zé Victor Castiel. Passando pela minha sacada, o Zé esbarrou nele, sem querer. Na verdade, foi apenas a pá de cal. Antes, errei a mão na água, ou era sol demais, ou de menos. Ou tudo junto. As plantas têm disso. O tomatinho veio de Xangri-lá e não curtiu a Capital. O vaso ficou ali algumas semanas, vazio, entristecido, lembrança do meu fracasso, com alguns restos de tomatinhos secos e retorcidos.
Na tentativa de superar a frustração, plantei nele um pé de manjericão, que passa bem, mas ainda é pequeno para o diâmetro do recipiente.
Foi nessa terra fértil e improdutiva em volta do manjericão que, numa noite de domingo, espalhei minhas sementes de pitaia. Joguei água e boas vibes. Agora é que começa a parte mais complexa dessa história.
Não sou místico, mas algo muito, muito estranho aconteceu. Acordei na manhã seguinte e, menos de oito horas depois de plantar as sementinhas pretas e gosmentas, vi, assustado, uma explosão germinativa no vaso. Eram vários, vários pares de pequenas folhas verdes que se abriam, mãos espalmadas aos céus sobre pequenos caules .
Fiz os cálculos e concluí que a biologia tinha enlouquecido. Os vídeos e textos falavam em até três semanas. Voltei ao vaso e bati fotos, postei no grupo da família, comentei com os colegas de trabalho e, no sábado seguinte, voltei, triunfalmente, à feira. Puxei logo assunto com o agricultor, que cultiva pitaias em Morrinhos do Sul. Mostrei a ele o milagre. Outros fregueses quiseram ver.
Formei ao meu redor um pequeno círculo de testemunhas da façanha inexplicável. Eu discorria sobre germinação de pitaias com a naturalidade de um especialista e com o fervor de um escolhido para cultivar a mensagem confiada a mim pelos deuses da natureza. Dei dicas, respondi perguntas, mostrei as fotos, dei meu testemunho. Germinação em menos de oito horas? Sim, aconteceu comigo.
Ainda sob o impacto dos acontecimentos e já sonhando com a futura supersafra, fui a uma floricultura e comprei seis vasos menores. Enchi-os de terra boa e transplantei as mudas mais taludas. Três em cada recipiente. Povoei a minha sacada com a promissora plantação. Até que a natureza me surpreendeu, novamente.
As mudas, no começo, eram iguais às de pitaia. Só que, alguns dias depois, de repente, mudaram de aparência. As folhas lisas abriram espaço para outras, mais recortadas. Pensei logo: deve ser alguma espécie diferente da fruta. As plantas cresceram mais um pouco. E eu cada vez mais intrigado. Até que um dia, enquanto divagava sobre o sentido misterioso da transformação morfológica dos vegetais, uma ficha caiu. Fui voltando no tempo. Tipo flashback de filme. Vaso, calor, Zé Victor, queda, tomatinhos. Sim, tomatinhos.
Abri meu computador, dei duas gugleadas e confirmei a suspeita. Não tenho uma plantação de pitaias, mas sim de tomates-cereja, que nasceram dos restos esquecidos no vaso.
Conversei com uma bióloga, que expôs uma tese interessante. De acordo com ela, a chegada das sementes de pitaia, de algum jeito, ameaçou a hegemonia das sementes de tomatinho, que eram maioria, estavam até e então numa boa, mas se apressaram para ocupar o território diante da invasão pitaiesca. Desconfio que a bióloga se uniu a Darwin e a Dawkins para tirar onda comigo, mas gostei da história. Me consolou ao evocar os genes egoístas e as forças incontroláveis da seleção natural.
Hoje, misturo tristeza e esperança. Todos os dias, volto ao vaso-mãe e procuro alguma planta nova, na esperança de que minhas pitaias germinem. Até o fechamento dessa edição, nada. Enquanto isso, continuo regando os tomatinhos. Se bem que, agora me lembro: no começo do verão, andei comendo melancia na sacada.
RECEITA DE SORVETE DE PITAIA
Ingredientes:
* Uma pitaia madura
* Uma banana madura
* Um colher de sopa de mel
* Um pouco de suco de maçã — pode ser de caixinha.
Preparo
1. Descasque a pitaia e a banana e corte-as em pedacinhos e em rodelinhas.
2. Congele.
3. Retire do freezer, acrescente o mel e o suco.
4. Bata com um mixer.
5. Sirva em seguida e me agradeça.