Nem reforma da Previdência nem decreto que facilita a posse de armas. O maior caroço de Jair Bolsonaro, nesses primeiros dias com a caneta na mão, é a espinhosa tarefa de governar o governo. Vaidades, cabeçadas, intrigas e pressões são constantes nuvens de tempestade no horizonte do Palácio do Planalto.
Dividido em setores, o governo sofre com a falta de unidade. Militares, evangélicos, técnicos e políticos tradicionais deveriam formar linhas de um mesmo time, mas ainda não alcançaram um mínimo entrosamento. O quinto elemento dá o tempero definitivo: filhos. Os de Bolsonaro são falantes, ativos e influentes.
Desacertos são naturais em começos de governo. Há uma pegação de pé inédita e exagerada com Bolsonaro, consequência também da forma como a eleição transcorreu, cheia de radicalismos e polarizações. Tudo é analisado com lupa.
Mesmo dados os descontos, os desmentidos e recuos da gestão são sintoma de um emperramento precoce, que até pode ser azeitado com o tempo. Vazamentos públicos de mágoas e insatisfações se intensificam na medida em que Bolsonaro demora a compreender que é impossível, do ponto de vista da comunicação, governar pelo Twitter. Funciona na campanha, quando bravatas, mentiras e promessas cabem em meia dúzia de caracteres compartilhados por alguns que parecem ser todos.
Moro chateado porque o decreto das armas não foi o que queria, Guedes bicudo com entrevistas sobre mudanças em impostos sem consultá-lo, Onyx levando caneladas dos colegas por baixo da mesa. Alguém precisa avisar que o gol é do outro lado do campo e que manter a bola perto da própria área é um convite ao adversário.
A rotina da gestão é complexa e, justamente por isso, pede ferramentas mais simples e unificadas. A nomeação de um porta-voz é a primeira boa notícia. Resta saber que voz é essa que irá portar. A voz de um discurso unificado ou os ecos de uma Torre de Babel, onde todos falam e quase ninguém se entende.
Governar o governo é pré-requisito para governar o resto. Ainda é cedo, Bolsonaro e sua equipe dão sinais de embarque em uma curva de aprendizado consistente. Mas é fato que, de certa forma, o Executivo se contaminou com o efeito STF. Nossa Suprema Corte vem perdendo o sentido de unidade e se transformando em 11 tribunais, cada um com seu nome, vaidade e poder. É uma armadilha na qual Bolsonaro não pode cair.