Política externa nunca foi um tema popular nas eleições brasileiras. E continua não sendo, apesar de Jair Bolsonaro ter anunciado, ainda na campanha, duas medidas polêmicas e de grande impacto: fechará a embaixada palestina em Brasília e transferirá a embaixada brasileira para Jerusalém, cidade sagrada de três religiões e centro de uma disputa militar, religiosa e política.
As promessas do agora presidente eleito, mais do que motivadas por qualquer convicção ideológica ou econômica, têm inspiração na fé. A defesa do Estado de Israel é uma bandeira evangélica, tanto nos EUA quanto no Brasil. Por isso, a posição de Bolsonaro é menos uma questão judaica e muito mais a de uma das vertentes cristãs.
Em outros temas, a contundência do discurso de campanha já cedeu lugar ao equilíbrio necessário a um presidente. Talvez ocorra o mesmo, pelo menos parcialmente, nessa área. Talvez.
Acostumada ao ranço anti-israelense da era petista, a comunidade judaica brasileira se dividiu. O apoio a Bolsonaro foi majoritário, embora estivesse longe da unanimidade. Há movimentos consistentes de rejeição ao ideário bolsonarista entre os judeus brasileiros.
Se, por um lado, a defesa intransigente do direito à existência do Estado de Israel é positiva, por outro, a maneira como é feita preocupa. Por mais paradoxal que pareça, a política majoritariamente crítica à Israel praticada pelo PT, aliada a outros fatores, ajudou a barrar a importação do conflito para o Brasil, onde judeus e árabes - palestinos ou não - convivem de forma respeitosa e harmônica.
Há diálogo e um bom nível de confiança entre as comunidades judaica e palestina no Rio Grande do Sul, fato constatado e elogiado pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em uma entrevista concedida a mim em 2009, durante sua visita a Porto Alegre. Exportar nosso modelo que dá certo em vez de importar o que deu errado seria uma boa inspiração para Bolsonaro.
Mas se o presidente eleito confirmar suas promessas, corremos o risco de ver o Brasil inserido em um mapa onde hoje, felizmente, não está: o mapa dos ódios e das retaliações organizadas de fora para dentro do país.
Escrevo esse texto movido unicamente por minhas convicções pessoais e, por isso, afirmo: não podemos nos mover pelo medo dos fundamentalistas religiosos e políticos, mas a eventual importação do conflito do Oriente Médio para o Brasil será desastrosa, principalmente se Bolsonaro confirmar a reprodução de um modelo dicotômico e fracassado. Por muito tempo, acreditamos que só havia dois caminhos: apoiar Israel ou os palestinos. Eu, por exemplo, sou a favor de ambos, desde que respeitados os valores da democracia, da pluralidade e do respeito mútuo.
Bolsonaro anunciou que uma das suas primeiras viagens será para Israel. Um bom sinal, desde que o presidente eleito do Brasil vá ao Muro da Lamentações e reze por uma paz real, sem demagogias e sem espaço para os radicais de ambos os lados.