Quando eu era criança, empregadas e prestadores de serviço só usavam elevadores de serviço nos prédios.
Mulher desquitada saindo sozinha era malvista. Ser gay era motivo de deboche escancarado.
Negros quase não eram vistos dirigindo carros, a não ser táxis e ônibus.
Operários da construção civil trabalhavam em condições sub-humanas.
Bandidos de colarinho branco e políticos corruptos não iam para a cadeia. Menos ainda donos de empreiteiras e ex-presidentes.
Quando eu era criança, os carros estacionavam impunemente sobre as calçadas.
Beber álcool e dirigir era normal. Pais emprestarem o carro para filhos adolescentes era uma tradição. Fumar em lugares fechados era socialmente aceito – e incentivado.
Não muito tempo atrás, ninguém recolhia o cocô do seu cachorro na rua. Insistir na cantada, mesmo que grosseira, era símbolo de masculinidade.
Há meia dúzia de anos, ninguém separava o lixo e quase não havia mulheres em postos de comando.
Não faz muito, ninguém fazia nada quando os pais batiam nos filhos e os maridos nas esposas.
Quando eu era piá, a Borregaard emporcalhava o ar de Porto Alegre, o divórcio era proibido e milhões de pessoas morriam de Aids.
Há poucas décadas, não havia cura para nenhum câncer e não existiam vagas de estacionamento reservadas para cadeirantes
E tem gente que acha que piorou. Não piorou. Melhorou. Não há quem consiga desmanchar tudo isso.
E a gente precisa reconhecer e celebrar para poder corrigir o muito que ainda falta.