Nada mais inofensivo do que um ovo. Mesmo quando ele cai e se quebra, ou quando é jogado em alguém, o potencial de dano é mínimo. Durante a semana, coloquei um ovo para ferver. Um inocente, básico e clássico ovo em uma caneca esmaltada, daquelas que a minha bisavó já usava.
Acendi o fogão, água pela metade, joguei o ovo lá dentro e comecei a contar mentalmente cinco minutos. Nada de ruim pode acontecer quando um ovo está sendo cozido.
Fui para a sala, abri o computador e comecei a responder os e-mails pendurados. Lembrei que não havia ainda arrumado o quarto. Dobrei as roupas, estendi os lençóis. E assim, levado por uma correnteza de tarefas e ideias, me vi deitado no sofá, buscando algum filme na tevê para matar o tempo.
Não me lembro no que eu estava pensando, mas me lembro bem da explosão que me arregalou os olhos e fez disparar meu coração.
O ovo.
Havia se passado mais de uma hora e meia. Esqueci do ovo. A água secou. O ovo explodiu. Entrei na cozinha correndo. Havia ovo no exaustor, nas grades do fogão, nas paredes, no chão, no vidro da janela. A caneca fumegava, escurecida. Apaguei o fogo, peguei um pano, levei a caneca à pia, joguei água fria nela.
Foram 20 minutos de vassouras e esfregões. Considerei o trabalho pronto mas, ao olhar para cima, havia o teto, todo salpicado de cascas e de gemas. Peguei a escada e esfreguei o gesso, o que gerou uma nova camada de sujeira no fogão e no chão.
Na adolescência, li Hermann Hesse. É do livro Demian a frase: "O pinto sai do ovo. O ovo é mundo. Quem quiser nascer, tem que destruir o mundo". Lembrei enquanto levava o lixo para fora de casa.
O horário eleitoral começou sexta-feira (31). Falta pouco mais de um mês para a eleição. Não se distraia. Coloque um despertador.
Ou isso, ou a explosão.