Tulio Milman

Tulio Milman

Consultor, formado em Jornalismo pela PUCRS e com especializações em Marketing pela ESPM, Recursos Humanos pela EAE (Espanha) e Storytelling por Stanford (EUA). Visitante convidado pela Wharton School em 2017 (Pensilvânia, EUA). Escreve semanalmente em ZH e GZH.

Memória

Encontros e despedidas

No fim das contas, a morte não existe. Continuamos a viver através dos outros.

Cadu Caldas

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Minha mãe morreu quando eu tinha três anos de idade.

Perder um dos pais durante a tenra infância gera uma série de situações embaraçosas ao longo da adolescência.

Uma delas é quando alguém se desculpa e lhe olha com cara de pesar ao descobrir que você é órfão – uma ausência que já está tão naturalizada, que nem chega a causar dor. Como dizer para o interlocutor que "não é nada" ou "está tudo bem" sem parecer insensível?

Outra é quando perguntam se, tendo perdido sua mãe tão cedo, você guarda alguma lembrança dela?Dizem que a memória só registra acontecimentos após os três anos de idade. Antes disso, cérebro ainda não estaria pronto para gravar memórias para a vida inteira.

Então, em teoria, eu poderia ter guardado alguma lembrança. Mas não.

Algumas vezes, me peguei contando memórias inventadas apenas por vergonha de confessar para o interlocutor que, na verdade, não tenho memória alguma da pessoa que deveria ser a mais importante da minha vida. É provável que fosse embaraçoso também para quem ouvisse a verdade.

Mas esses são acanhamentos que vão desaparecendo com a chegada da vida adulta.

Nos últimos anos, passei a enfrentar um outro tipo de situação incômoda. Comecei a ouvir de tios, avós e amigos de longa data dos meus pais, o quanto eu tinha o temperamento, parecido com o da minha mãe. Os gestos, uma certa inclinação na voz e, também, alguns defeitos meus seriam heranças dela.

É uma sensação muito estranha ouvir que se é parecido com alguém que você praticamente nem conheceu. Sinceramente, nunca acreditei muito nas comparações. Sempre entendi as referências como sentimento de nostalgia, aquela sensação de saudade idealizada, e às vezes irreal, que as pessoas mais velhas nutrem da época que eram mais jovens.

Mas aí vem a vida e chacoalha a gente.

Uns meses atrás, uma amiga veio até mim com dois ingressos para o show da Maria Rita. Não sou exatamente um fã de samba, mas dias antes havia assistido um documentário sobre Elis Regina e vi o convite como uma boa oportunidade para ver ''a filha da Elis'' no palco.

Minha surpresa quando vi a cantora em cena: o gesto, o tom da voz, o movimento do corpo em muito lembravam a mãe. Claro, já tinha ouvido falar da enorme semelhança entre as duas, mas vendo assim de perto, a sensação foi de espanto. Maria Rita, perdeu a mãe com a mesma idade que eu perdi a minha.

Maria Rita não é Elis. É outra pessoa, com seus próprios desejos, medos e sonhos. Mas, de alguma forma, a cantora gaúcha vive também nela. Mesmo que tenham convivido tão pouco.Genética é algo maravilhoso.

Nos tornamos um pouco (ou muito) dos nossos pais, mesmo distantes no espaço ou no tempo.

Desde então, passei a ouvir as referências à minha própria mãe com mais carinho. Como se tivesse a conhecido de fato. No fim das contas, a morte não existe. Continuamos a viver através dos outros.

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