Em depoimento aos procuradores da operação Lava Jato, o empresário Emílio Odebrecht afirmou que a imprensa tradicional tinha conhecimento do esquema envolvendo a empreiteira e políticos brasileiros nos últimos 30 anos.
Sim, a imprensa sabia.
Em junho de 1993, publiquei em Zero Hora uma reportagem sobre a farsa das prestações de contas das campanhas eleitorais. Desde então, tenho tratado sobre o tema periodicamente. À imprensa, cabe denunciar. O Brasil sustenta uma estrutura gigantesca de fiscalização financeira e eleitoral.
Leia a reportagem publicada em 6 de junho de 1993 na íntegra:
Gastos de campanha
Relatório comprova falhas na prestação de contas
Um estudo de auditores do Banco Central em fase final de elaboração revela um quadro caótico nas contas dos partidos em 90.
É impossível quantificar com exatidão o custo de uma campanha eleitoral. O que todo mundo desconfiava, mas não conseguia provar, é que a prestação de contas – tradicionalmente aprovada por um comitê interpartidário após os pleitos – pouco tem a ver coma realidade. E 1990, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) gaúcho decidiu rejeitar os balanços de despesas e receitas apresentados pelas siglas e determinar uma investigação na contabilidade interna dos partidos.
Três anos depois, a auditoria, iniciada há cerca de quatro meses pelos técnicos Victor Carrion de Britto Velho e Antônio Carlos Grendini Dias, do Banco Central, chega a um momento decisivo. A fase de levantamento de dados está concluída. Até a metade deste mês, um relatório contendo conclusões e recomendações deverá ser entregue ao responsável pelo processo, o juiz eleitoral Ivan Bruxel.
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Os especialistas estiveram pessoalmente em todas as sedes das agremiações que apresentaram candidatos há três anos, coligadas ou não. Conversaram com os responsáveis pelo controle financeiro e, através de um moderno sistema de informática, organizaram minuciosamente os dados apurados. Foram constatadas irregularidades de proporções diversas e , em alguns casos, nada pôde ser concluído pela falta total de controle interno. Mesmo sem querer dar declarações _ o que cabe ao TRE e só será feito após divulgação do relatório _ o tempo gasto pelos auditores para organizar a papelada recolhida (quase um mês) é um claro indicativo da confusão com a qual se depararam.
Notas fiscais – Mesmo que os dirigentes partidários jurem o contrário, a contabilidade das siglas é caótica. Durante as eleições, o controle se resume, na maioria das vezes, ao acumulo casual de notas fiscais de fornecedores de propaganda. Na prestação de contas feitas por um comitê formado por três representantes de cada partido, as rivalidades são deixadas de lado e os números aprovados. Caberia à Justiça Eleitoral, de acordo coma resolução 16.402 de 1990, homologar a aprovação, o que não ocorreu na eleição de 1990.
O relatório dos auditores, em fase de conclusão, deve apontar para a continuidade do trabalho. Para conhecer os artifícios utilizados nas campanhas não basta pesquisar os dados enviados pelos partidos ao TRE. É necessária uma investigação nas gráficas e produtoras de propaganda que confeccionaram os materiais dos candidatos. Depois de juntas as duas pontas _quanto o cliente diz que gastou e o valor real do serviço _ ficaria claro de houve mesmo maquilagem nos balanços. Essa deve ser a próxima etapa da averiguação.
Análise - Os próprios juízes reconhecem que a Justiça Eleitoral não está aparelhada para este tipo de função, tanto assim que teve de apelar para a cedência de técnicos do Banco Central na investigação do que foi arrecadado e gasto em 90. Cresce entre juízes e técnicos de que a Justiça deveria se abster da fiscalização dos gastos eleitorais. Mas há unanimidade na convicção de que, uma vez determinado por lei, a apuração da veracidade dos números divulgado deve ser levado às ultimas consequências.
O relator do processo das contas de 90, Ivan Bruxel, já tem esquematizado o procedimento que adotará após receber o relatório dos auditores do BC. Durante as últimas semanas do mês de junho e no recesso de julho, Bruxel vai ler e estudar minuciosamente o documento. Em agosto, submeterá as apreciações ao Tribunal. Depois as conclusões serão encaminhadas ao Ministério Público, que decidirá se oferece ou não denúncias contra os responsáveis pela contabilidade das siglas envolvidas.
Os candidatos em 1990:
Frente Progressista Gaúcha (PDT - PSDB - PCdoB): Alceu Collares
União por um novo Rio Grande (PDS - PFL- PRN - PL): Nelson Marchezan
PMDB: José Fogaça
Frente Popular (PT -PSB -PCB): Tarso Genro