Cheio de orgulho, o governo federal disparou um release para os jornalistas de todo o Brasil. O índice de pontualidade das decolagens nos principais aeroportos do país foi de quase 100% entre o Natal e o começo do ano. Chora, Alemanha. Morre de inveja, Reino Unido. Nós aqui é que entendemos desse negócio de pontualidade. Está no nosso DNA. Não precisa nem conferir no painel do saguão. É fazer o check in e embarcar na hora marcada.
Se você tiver algum compromisso no ponto de chegada, é certo que vai estar lá. A não não ser que você leia a informação do release até o fim e descubra que, pelos critérios federais da digníssima autoridade constituída para o tema, é considerado "no horário" o voo que decolar com até 30 minutos de atraso.
A gente combina não contar pros alemães e pros britânicos. Primeiro, porque eles não iriam entender. Depois, porque se entendessem, iriam duvidar da nossa sanidade mental. Não é pra menos. Fiz o cálculo de um passageiro que, porventura, saísse de Porto Alegre em direção, por exemplo, a Fernando de Noronha. Uma escala em São Paulo e outra em Recife. Hipoteticamente, ele poderia chegar com hora e vinte e sete minutos acumulados de atrasos e, mesmo assim, ser absolutamente pontual em todo o trajeito. Não é uma viagem?
O pior é ler a notícia da eficiência de 90 e poucos por cento repetida e celebrada por aí. Como se fosse verdade. É impressionante essa capacidade. Sim, é uma capacidade. Se a gente não cumpre regra, a regra que adapte-se à nossa indisciplina.
Vale mudar inclusive o sentido das palavras. Na cara dura, sem qualquer constrangimento. Talvez até achando que tudo bem, meia horinha não é atraso mesmo. Começa assim. Roubar um pouquinho não é roubo. Mentir um pouquinho não é mentir. De repente, o pouquinho vira muito. Um dia alguém grita, lá do fundo do avião: "Apertem os cintos que o piloto sumiu".