Lançado nesta sexta-feira (18) pelo Amazon Prime Video, o filme Maníaco do Parque: Um Serial Killer Brasileiro (2024) investe pouco em um capítulo fundamental da história do motoboy Francisco de Assis Pereira, interpretado na ficção pelo ator Silvero Pereira: a captura, no interior do Rio Grande do Sul, do homem mais procurado do Brasil em 1998.
Batizada de Operação Itaqui na manchete da Zero Hora do dia 6 de agosto de 1998, a ação uniu pescadores do Rio Uruguai, soldados da Brigada Militar e agentes da Polícia Civil. Durante o mês de julho, Francisco havia fugido de São Paulo, onde, no Parque do Estado, estuprou, assassinou e escondeu os corpos de 11 mulheres. Uma das vítimas era gaúcha de Gravataí: a vendedora de móveis Raquel Motta Rodrigues, 23 anos, que morava na capital paulista desde 1996 e desaparecera em 9 de janeiro de 1998. Estava voltando do trabalho quando foi abordada pelo motoboy, que a convidou para posar como modelo em um catálogo publicitário de cosméticos. Ela chegou a telefonar para uma prima, Lígia, que a aconselhou a não ir — o filme recria essa história, usando outros nomes. O corpo de Raquel foi encontrado no matagal do Parque do Estado, no dia 16 de janeiro.
Francisco só se tornou suspeito em julho, após a descoberta de outros corpos. Durante a investigação policial, sobreviventes reconheceram seu rosto e a irmã de uma vítima identificou sua voz em uma gravação de vídeo obtida pela polícia (outra história recriada no filme, que dá contornos de heroína à repórter iniciante vivida por Giovanna Grigio).
A fuga de Francisco começou com uma viagem para o Paraguai. Depois ele foi para Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e para a Argentina. No dia 31 de julho, proveniente da cidade argentina de Alvear, atravessou o Rio Uruguai de canoa e pediu abrigo na casa do pescador Manoel Pereira Paveck, em Itaqui. Ofereceu-se para trabalhar numa olaria em troca de comida e, segundo a reportagem de Zero Hora, "foi um hóspede gentil que evocava Deus e elogiava a família, mas intrigou o pescador João Carlos Dorneles Vilaverde", então com 40 anos. Ao assistir ao programa de TV Ratinho Livre, na noite de 3 de agosto, Vilaverde "identificou aquele que todas as polícias brasileiras caçavam".
O pescador virou detetive e herói. De acordo com reportagem assinada por Carlos Wagner, Johanna Kleine e Mauro Maciel na Zero Hora de 5 de agosto de 1998, Vilaverde, depois de desconfiar do visitante, pediu que um amigo fosse fazer uma pescaria com ele. Enquanto os dois estavam no rio, vasculhou a mochila de Francisco, onde encontrou documentos e um álbum com fotografias de mulheres. Em seguida, chamou a Brigada Militar.
Em Itaqui, foram mobilizados 21 policiais civis e militares, que efetuaram a prisão de Francisco às 20h15min do dia 4 de agosto. Ele tentou escapar, mas, por estar com uma perna machucada, foi rapidamente alcançado.
Às 2h30min do dia 5 de agosto, o Maníaco do Parque concedeu sua primeira entrevista. Disse que estava na Argentina porque era patinador profissional e em Buenos Aires acontecem muitas competições. "Só que eu não dei sorte lá e perdi 780 dólares", contou. Desconversou sobre o abandono de emprego em São Paulo, quando os assassinatos vieram à tona, e afirmou estar sendo acusado por "coisas" que não havia feito.
Pela manhã, o governo do Estado fretou uma aeronave Xingu para deslocar o Maníaco do Parque a Porto Alegre. "A passagem pela Capital durou apenas 20 minutos. Mas houve tumulto e correria", diz o texto da Zero Hora de 6 de agosto. O motoboy aparentava cansaço e tinha um hematoma ao lado do olho direito. Disse que foi agredido no momento da prisão em Itaqui e continuou negando os crimes nas entrevistas: "Eu não matei nem estuprei ninguém". Falou que não tinha medo de realizar o exame de DNA, por causa do sêmen encontrado em uma das vítimas, e chegou a declarar:
— Quero saber quem matou essas mulheres. Quem sabe, amanhã ou depois o verdadeiro maníaco vai passar na frente de vocês. Só então vão perceber que morreu um inocente.
Perguntado sobre as provas encontradas no local onde trabalhava e dormia, como parte da carteira de identidade de uma vítima, respondeu que eram "provas arrumadas" e que "naquela empresa, todo mundo entra e sai à vontade". Questionado sobre a fuga, retrucou que "não sabia que estava sendo procurado" e afirmou que "estava apenas viajando":
— Sempre faço isso porque sou uma pessoa aventureira. Eu trabalho, junto meu dinheiro e viajo.
Francisco também disse que se considerava "uma pessoa normal" e que estava vivendo "um pesadelo":
— Se tivesse uma arma, colocaria um fim na minha vida.
Em Porto Alegre, mais cinco delegados e 22 policiais controlaram Francisco, que não estava algemado. Quem acabou algemando o assassino serial foi o delegado Sergio Alves, da Delegacia de Homicídios de São Paulo, que veio para levá-lo à capital paulista. Às 12h55min, o Maníaco do Parque partiu no mesmo bimotor Xingu que o trouxera.
Hoje com 56 anos, Francisco está preso na penitenciária de Iaras (SP), onde, conforme funcionários, passa a maior parte do tempo isolado, dedicando algumas horas do dia a bordar tapetes e toalhas em tricô e crochê e frequentando o culto evangélico pelo menos uma vez por semana. Cumpre pena de 268 anos, mas pode sair da cadeia em agosto de 2028, pois o tempo máximo de reclusão no país à época do seu julgamento era de 30 anos (em 2019, o Pacote Anticrime ampliou o patamar para 40 anos, mas a lei não é retroativa). Para tanto, terá de passar por uma bateria de exames psicológicos.
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