Em cartaz a partir desta quinta-feira (3) no CineBancários e no Espaço Bourbon Country, em Porto Alegre, O Clube dos Anjos (2020) é o primeiro longa-metragem baseado em uma obra de Luis Fernando Verissimo, que já havia sido levado à TV e ao cinema em curtas como Maridos, Amantes e Pisantes (2008) e Feijoada Completa (2012). Ambos foram dirigidos pelo fluminense Angelo Defanti, que adquiriu em 2009 os direitos do romance homônimo publicado em 1998 e filmou em 2018.
O Clube dos Anjos foi um dos sete longas nacionais na competição do 50º Festival de Gramado, em agosto (não recebeu nenhum Kikito). Estreante na direção de longas, Defanti fez-se acompanhar pelas produtoras Bárbara Defanti, sua irmã, e Sara Silveira, gaúcha veterana em Gramado ("Tenho pelo menos 40 anos de festival"), pela montadora Livia Arbex (representando o time técnico, que inclui o diretor de fotografia português Rui Poças) e por Pedro Verissimo — representando seu pai, LFV. Do elenco que forma uma Seleção Brasileira, marcaram presença Otávio Müller, André Abujamra (também responsável pela trilha sonora), Augusto Madeira e César Mello. Esse timaço conta ainda com Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos, Marco Ricca, Ângelo Antônio e Samuel de Assis.
No púlpito do Palácio dos Festivais, o cineasta falou, primeiro, sobre a emoção de estar estreando O Clube dos Anjos na terra de Verissimo, escritor de quem se tornara "um estranho íntimo" quando tinha oito anos, ao ler um conto do volume 13 da antologia Para Gostar de Ler. Ao fim, em uma mistura de lamento e indignação, comparou o enredo da história — em que "homens hediondos", todos herdeiros, todos "crápulas" (como diz o personagem de Miklos), se reúnem periodicamente para praticar o pecado da gula — à situação do país, onde, no início de agosto, na região metropolitana de Belo Horizonte, um menino de 11 ligou para a polícia para pedir socorro porque sua família estava passando fome.
O protagonista, Daniel, é interpretado por Otávio Müller, que vai contando ao espectador — primeiro em um vídeo VHS, depois falando diretamente para a câmera — a história do seu grupo de amigos e de como conheceu Lucídio (Matheus Nachtergaele, se divertindo e nos divertindo com a mescla de afetação e secura do personagem). Este é um cozinheiro de mão cheia que, após seduzir Daniel com o relato de uma sociedade secreta em torno do fugu, um apetitoso mas perigoso peixe japonês (se o preparo não for perfeito, suas toxinas podem matar a pessoa em questão de horas), acaba convidado para conceber os banquetes que podem reatar os laços do chamado Clube do Picadinho.
Na entrada, O Clube dos Anjos exala frescor narrativo. Vide o flashback no qual, à mesa, os personagens adolescentes são substituídos por suas versões adultas, vide a sequência na qual Daniel telefona aos amigos para fazer o convite do jantar: em vez de recorrer à montagem, o diretor Angelo Defanti reuniu todos no mesmo cenário, só mudando de ambiente. Ambas as ideias nasceram da combinação entre a inspiração em peças teatrais de Aderbal Freire Filho e restrições orçamentárias.
A partir do prato principal, ou seja, a partir do momento em que um dos confrades amanhece morto, o filme vai pouco a pouco se tornando reiterativo e previsível. E, no retrogosto, vai sumindo o sabor de crítica à elite e o subtexto político, realçado nos duelos verbais e quase físicos entre João (Augusto Madeira), que é "de esquerda", e o conservador Pedro (Marco Ricca), e em situações como a André (Cesar Mello), que é o único negro da patota — portanto, está sempre sendo "esquecido", apagado, menosprezado.