Há um duplo sentido no título do filme estrelado por George Clooney e Julia Roberts que estreou nos cinemas brasileiros nesta quarta-feira (7), tanto no original (Ticket to Paradise) quanto na tradução — Ingresso para o Paraíso. Por um lado, o mais evidente, alude à ilha onde se desenrola a comédia romântica dirigida por Ol Parker, Bali, um dos destinos mais visitados na Indonésia. Por outro, com visível dose de empáfia, sugere que o espectador, ao comprar seu bilhete, terá acesso a uma experiência divina, pela simples combinação dos nomes de seus astros e de seu cenário.
Bem, o meu "avião" só sobrevoou esse lugar. Na verdade, nem cheguei a embarcar. Desde as primeiras cenas, Ingresso para o Paraíso ergue uma barreira que pode dificultar o envolvimento emocional.
Ingresso para o Paraíso é o quarto longa-metragem de Parker, diretor de Mamma Mia! 2 (2018) e roteirista de O Exótico Hotel Marigold (2015). Também é o quinto filme em que contracenam Clooney, 61 anos, ganhador do Oscar de coadjuvante por Syriana (2005) e indicado a melhor ator por Conduta de Risco (2007), Amor Sem Escalas (2009) e Os Descendentes (2011), e Roberts, 54, oscarizada por Erin Brockovich (2000) e concorrente por Flores de Aço (1989, como atriz coadjuvante), Uma Linda Mulher (1990) e Álbum de Família (2013, novamente como coadjuvante). Antes, eles trabalharam em Onze Homens e um Segredo (2001), Confissões de uma Mente Perigosa (2002), Doze Homens e Outro Segredo (2004) e Jogo do Dinheiro (2016).
Na comédia romântica, Clooney e Roberts interpretam David e Georgia. Na juventude, os dois se apaixonaram, se casaram e tiveram uma filha, Lily, que agora, aos 20 e poucos anos, acaba de se formar como advogada — a personagem é encarnada por Kaitlyn Dever, que disputa o Emmy de melhor atriz coadjuvante pela minissérie Dopesick. Hoje, David e Georgia não se aturam, aproveitam qualquer oportunidade para escarnecer o outro e fazem questão de viver "em fusos horários diferentes".
O mundo onde esses personagens vivem também é muito diferente: dinheiro não é nunca uma preocupação. É uma gente bonita, rica e perfeita demais, sem contas a pagar nem louça para lavar, e os eventuais problemas ou são tratados como piada, ou se resolvem em um par de cenas — o roteiro escrito por Parker na companhia de Daniel Pipski não se interessa em desenvolver os conflitos dramáticos. O que importa são apenas as farpas, as caretas e as risadas trocadas entre os personagens de Clooney e de Roberts até o mais previsível dos finais.
David é arquiteto de grandes empreendimentos e dono de propriedades que podem ficar duas décadas vazias sem constituir algum tipo de prejuízo financeiro. Georgia é uma marchand que se permite ficar falando mal do ex enquanto dá lances altos em um leilão de arte. E Lily pode passar uns dois meses de férias em Bali, tendo a seu lado a amiga alcoolista Wren (Billie Lourd), cuja única inquietação é quanto ao número de camisinhas que vai levar na bagagem ("Eu acho que essa coisa de ser adulto não é para mim", admite).
É um mundo tão cor-de-rosa, que, quando as duas jovens ficam à deriva após um mergulho no mar, não demora um minuto para surgir o resgate — por um príncipe encantado, logicamente. Trata-se de Gede (Maxime Bouttier), um plantador de alga.
Dito assim, parece que ele é de uma classe social inferior, o que pode acarretar em algum atrito no romance com Lily. Que nada! Também Gede é bem-sucedido, exportando algas globalmente. Tampouco são desafiadoras as diferenças culturais e religiosas que possam existir entre uma estadunidense e um indonésio — a propósito, o tratamento dispensado às tradições e às características locais equilibra-se entre o enaltecedor e o humorístico. Logo os dois pombinhos decidem se casar, fazendo com que David e Georgia finalmente voltem a concordar numa coisa: ambos são contra o matrimônio. Não querem que a filha cometa o erro que eles cometeram 25 anos atrás. Sequer é discutida a aparente decisão de Lily, por causa de um cara que ela conheceu há exatos 37 dias, abrir mão da carreira profissional (digo "aparente" porque depois da formatura praticamente não se fala mais do trabalho dela).
Em Bali, os pais vão primeiro adotar a tática do Cavalo de Troia, depois vão apelar para golpes baixos. Evidentemente, surgem complicações, incluindo o namorado francês de Georgia, um piloto de avião mais moço (papel de Lucas Bravo), e, ora, os sentimentos de Lily.
Apesar do inegável carisma de George Clooney e de Julia Roberts, apesar do esforço de Kaitlyn Dever em desenvolver sua personagem no pouco tempo de tela e apesar de alguns diálogos bem escritos, Ingresso para o Paraíso só conseguiu dissolver meu azedume nas cenas dos créditos de encerramento, graças a duas referências: primeiro, a um personagem interpretado no passado por Clooney; depois, a um ator que também integrou o elenco da trilogia Onze Homens e um Segredo. Mas mesmo essas cenas, uma suposta pegadinha e um suposto erro de gravação, pareceram artificiais (como a direção de fotografia à la cartão-postal assinada por Ole Bratt Birkeland). Perfeitas demais.