Você já deve ter ouvido falar do Ecad, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, um escritório privado brasileiro que reúne há quase 50 anos diversas sociedades de gestão coletiva dos compositores — foi fundado em 1973 — e zela pelo pagamento dos direitos autorais na área musical. Pois no meio audiovisual há uma entidade semelhante, embora muito mais jovem (surgiu há apenas sete anos) e ainda lutando muito para o reconhecimento dos diretores de filmes e séries arrecadarem os direitos autorais sobre a comunicação pública de suas obras.
É a DBCA — Diretores Brasileiros de Cinema e do Audiovisual, que desde maio é presidida por um gaúcho. Trata-se de Henrique de Freitas Lima, realizador de Lua de Outubro (1997), Concerto Campestre (2004), Contos Gauchescos (2012) e dos episódios da série Grandes Mestres dedicados aos artistas Danubio Gonçalves (2010) e Zoravia Bettiol (2018) — todos disponíveis na plataforma de streaming Sulflix. Ele é também advogado especializado no assunto com 15 anos de atuação.
Na entrevista abaixo, Henrique fala sobre o trabalho da entidade:
Você pode explicar para o público leigo qual é o trabalho da DBCA?
Além do público leigo, os próprios cineastas sabem muito pouco sobre a atuação da DBCA. A legislação brasileira sobre pagamento de direitos autorais determina que os autores da obra audiovisual são o roteirista, o diretor e o compositor da trilha sonora. Independentemente dos acordos com o produtor da obra, esses profissionais têm direito a arrecadar direitos autorais sobre a execução pública dos filmes. Isso já é consolidado no caso dos compositores, o Ecad tem décadas de atuação na área musical. No caso dos roteiristas (representados pela Gedar) e dos diretores, a organização é recente. A DBCA tem apenas sete anos de existência. Avançou numa direção e não em outra. Temos convênio com entidades estrangeiras (da Argentina, Espanha e França, por exemplo) que arrecadam os direitos de cineastas brasileiros. Já pagamos R$ 4 milhões de dinheiro de fora a dezenas de diretores brasileiros. Participamos da confederação latino-americana (FESAAL) e mundial (Avaci). Os nossos principais patrocinadores são os argentinos, que nos ajudam com apoio logístico, formação de mão de obra e aportes financeiros. Mas nós não conseguimos arrecadar um centavo no Brasil até agora. O outro lado, formado pelos usuários das obras audiovisuais, se aproveita de algumas imprecisões na legislação para dizer que não deve pagar. Eu entrei na associação no ano passado como tesoureiro e consultor jurídico. Estou trabalhando com uma equipe de advogados e o especialista Antonio Carlos Morato, professor da USP, para consolidar em um parecer nosso direito de cobrar pela legislação em vigor e tentarmos uma solução, de preferência por acordo, extrajudicialmente. O projeto de lei da Jandira Feghalli (deputada federal pelo PCdoB-RJ), que já está na segunda comissão das três que deverá passar para ser aprovado na Câmara Federal, vai deixar mais claro ainda nosso direito de cobrar.
Quem tem de pagar os direitos autorais?
O produtor não é devedor. Quem tem de pagar são todas as empresas e pessoas que veiculam as obras depois da licença dos produtores. Salas de cinema, canais de TV aberta e paga, serviços de streaming, hotéis, companhias aéreas... Todos estes devem aos titulares. Nos Estados Unidos, permite-se que a cessão de direitos seja total. No Brasil, não é assim, tanto é que a Netflix está fazendo um acordo com o Ecad neste momento.
De quanto dinheiro estamos falando?
De dezenas de milhões de reais. Na música, ninguém mais fala mal do Ecad hoje em dia. Durante a pandemia, foi o que garantiu comida na mesa, porque atualmente os artistas dessa área vivem de performance e direito autoral. No cinema e no audiovisual, funciona sobre o faturamento bruto do exibidor. O Ecad tem direito a 2,5%, a DBCA, 1%, o mesmo percentual da entidade dos roteiristas. As operações são semelhantes. A cada início de mês, uma sala de cinema, por exemplo, deve informar para a DBCA o faturamento bruto de todas as obras exibidas, não importa que sejam filmes nacionais ou não, e aí passamos um boleto para o pagamento dos direitos autorais. A DBCA fica com 30% de comissão sobre o valor recebido e o restante é dividido entre os diretores filiados à nossa entidade ou às conveniadas estrangeiras que tiveram obras exibidas naquele período. Mais adiante, queremos baixar essa comissão para 15%. Hoje somos 530 associados, que não precisam pagar nenhum tipo de mensalidade, com mais de 2 mil obras registradas.
Qual é o próximo passo?
Fazer mais diretores conhecerem os seus direitos e a DBCA. Nesse sentido, vai ser importante a mesa redonda de que vou participar durante o Festival de Gramado no dia 15 de agosto integrando o Mercado Entre Fronteiras, batizada de "O mundo jurídico entre fronteiras: direitos autorais, patrimoniais e gestão coletiva". Ao lado do jornalista argentino Marcelo Nastri (chefe da arrecadação de direitos audiovisuais da Argentores, o equivalente argentino da Gedar), vamos apresentar um panorama do assunto no continente.