O título, meio reducionista, é para chamar a atenção para o Festival Binacional de Enogastronomia, nos dias 27 a 30 de julho, na fronteira de Sant'Ana do Livramento e Rivera. É que não se trata apenas de comida e bebida. O festival, em sua 7ª edição, é muito mais do que isso: é um momento de intercâmbio cultural, de valorização do que é local, de fortalecimento da economia, do turismo, dos laços entre brasileiros e uruguaios.
Quem começou a mobilização toda e hoje atua como coordenadora e curadora executiva do encontro é Jussara Dutra, 59 anos, que entre 2011 e 2014, quando era chef de cozinha do Palácio Piratini, idealizou um projeto sobre gastronomia regional. Na época, um dos comitês mais atuantes do grupo de trabalho criado para a pesquisa era o da fronteira e de lá surgiu a proposta para um evento integrando a culinária da região. Jussara percebeu que faria mais sentido não só promover a gastronomia, mas a enogastronomia, uma vez que o cultivo de uvas e a produção de vinhos já era forte por lá. Assim, em agosto de 2014 nasceu a primeira edição, com apoio do governo do Estado e presença de 42 chefs de cozinha do Brasil e outros tantos uruguaios. Depois, a prefeitura de Livramento e a intendência de Rivera atenderam a proposta de prosseguir com o festival, só interrompido pela pandemia (em 2020 foi virtual e em 2021 ele não ocorreu).
Um dos frutos gerados é um curso de gastronomia binacional, com metade das vagas (32 por ano) para brasileiros e metade para uruguaios, parceria do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-grandense e a Universidad del Trabajo del Uruguay-UTU.
Ao longo desse tempo, outras entidades, além das prefeituras das duas cidades fronteiriças, foram se engajando. Agora, serão oito os realizadores, incluindo o Ministério do Turismo do Uruguai — no total, envolve 25 entidades dos dois lados e toda a cadeia de produção.
— É o maior evento de integração Brasil-Uruguai na fronteira — diz Jussara, são-borjense que também tem nacionalidade uruguaia e dedica-se por quatro meses exclusivamente ao festival. — Ele envolve as comunidades dos dois lados, que se reconhecem nos pratos do que eu chamo de "gastronomia fronteiriça" — diz ela.
Jussara observa que o turismo enogastronômico é visto como um caminho de desenvolvimento para a fronteira, mas ainda está longe de atingir seu potencial.
Além do vinho e da gastronomia e do esperado reencontro, ela observa que haverá uma grade cultural extensa, com shows todas as noites e sete feiras binacionais segmentadas (vinho, azeite, queijo, mel, cordeiro, produtos da terra, artesanato). Pela primeira vez, será montada uma praça de alimentação com sete restaurantes oferecendo refeições entre 11h e 22h. As barracas estarão fincadas no Parque Internacional, que não pertence a nenhum dos dois países. Um lugar simbólico para momentos únicos.
Choripán
O que mais é compartilhado por Livramento e Rivera. Um exemplo básico? O choripán, o sanduíche de chorizo (linguiça) e pan (pão). Mas há muitos outros, como o carreteiro que passou daqui para as bandas do Uruguai. Na doçaria, observa Jussara, frutas em calda são muito comuns na área rural de Livramento e Rivera, e o arroz com orejones (pêssego seco), um prato de Páscoa, é compartilhado também.
As atrações
Dos quatro dias do Festival Binacional de Enogastronomia, Jussara ressalta que os dois primeiros serão mais voltados às comunidades e os dois últimos dias, aos turistas. Mas todos serão bem-vindos sempre. Alguns dos destaques:
- Quinta-feira, 28/7: degustação de vinhos, queijos, azeite de oliva e pães da fronteira, mostrando a qualidade e a variedade (só de azeite serão sete empresas)
- Sexta-feira, 28/7: como não se trata de um evento só festivo, mas também acadêmico, haverá 11 fóruns de debates, com seis universidades da fronteira (três de cada lado), e um grande grupo de professores e pesquisadores. Pela manhã, para a aula magna, são esperadas 400 pessoas. À tarde, oficinas de cozinha com os chefs brasileiros Rodrigo Bellora e Carlos Kristensen e os uruguaios Laura Rosano e Adrian Orio. À noite, uma das cerejas do bolo: um concurso com pratos de cordeiro envolvendo seis equipes com grupos de seis alunos e um professor — nesta segunda edição do concurso, os vencedores serão escolhidos pelo júri popular e por um júri técnico composto por 25 profissionais.
- Sábado, 29/7: edição especial do A Ferro e Fogo, do chef Marcos Livi, com 20 chefs e assadores uruguaios e 20 brasileiros. Em 2019, atraiu 1,3 mil pessoas e agora estão sendo colocados à venda 2 mil ingressos.
Confira a programação completa em festivaldeenogastronomia.com
Para também aproveitar na fronteira
CABO POLÔNIO
Fica a 50 quilômetros da fronteira dos dois países, a partir do Chuí, no Departamento de Rocha. Vizinha de praias conhecidas dos gaúchos — Punta del Diablo, La Paloma e La Pedrera — é uma área costeiro-marítima com praias, pontas rochosas, dunas, bosques e ilhas. O Parque Nacional de Cabo Polonio faz parte do Sistema Nacional de Áreas Protegidas do Uruguai e o que mais se destaca ali é o sistema de dunas. Abriga várias espécies de animais, incluindo em perigo ou ameaçadas de extinção e migratórias — em suas ilhas está quase a metade das populações de lobos-marinhos e leões-marinhos do país. O acesso ao parque não é permitido com automóveis, apenas com veículos 4x4.
Menos de uma centena de pessoas vive no povoado de Cabo Polônio, onde há um farol que pode ser visitado e de onde se avistam lobos marinhos nas ilhas rochosas.
FORTE DE SANTA TERESA
Aqui também o ponto de partida é o Chuí e o destino fica a cerca de 40 quilômetros da fronteira. O forte, que fica no Departamento de Rocha, é patrimônio uruguaio e foi construído em 1762 sobre uma elevação rochosa de 58 metros acima do nível do mar, com muralhas em parede dupla. Iniciada pelos portugueses, a fortificação passou para as mãos dos orientais em 1825 e ficou abandonada por muito tempo até ser redescoberta por um historiador e restaurada a partir de 1928. Em seu interior há, entre outras atrações para serem apreciadas, capela, ferraria, túneis, cozinha com réplicas de utensílios dos séculos 18 e 19, museu com maquetes de outras fortalezas uruguaias e armas. Fica no interior do Parque Nacional Santa Teresa, uma área com cerca de 3 mil hectares, 1,4 mil deles cobertos por bosques.
TERMAS DEL ARAPEY
Fica a cerca de uma hora da uruguaia Artigas, que faz fronteira com a brasileira Quaraí, no extremo Oeste do RS — as duas cidades são ligadas pela Ponte Internacional da Concórdia, sobre o Rio Quaraí. Dali até Salto, a capital da província uruguaia de mesmo nome, são mais 80 quilômetros. A região de Salto, aliás, é pródiga em águas termais e há pelo menos dois complexos turísticos que exploram essa característica: além das já citadas Termas del Arapey, há ainda as de Dayman. O complexo do Parque Termal del Arapey, mais próximo da fronteira gaúcha, tem piscinas termais, hotéis, cabanas, zona de camping, serviços em geral. Há resorts confortáveis e luxuosos, como o Arapey Thermal Resort & Spa. Em volta dos hotéis o turista pode desfrutar de passeios de barco, pesca, cavalgadas, rotas de bicicleta...