Não existe corte sem dor, a menos que faça anestesia. O pacote de cortes que o ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou na noite desta quarta-feira (27), em tom de propaganda dos programas do governo, vai doer para os mais pobres. Por isso, a isenção do Imposto de Renda funciona como anestesia. É o cumprimento de uma promessa de campanha do presidente Lula e, como implica redução de receita, o mercado entrou em surto e o dólar foi a R$ 5,91 antes mesmo do anúncio oficial.
A intenção do governo é cortar R$ 70 bilhões em dois anos. Para isso, o pacote vai doer em diferentes setores — do trabalhador de salário mínimo, que terá mudança na regra de correção, aos super-ricos, que driblam o Leão usando as brechas da lei, passando pela classe média alta. Haddad disse que quem ganha mais de R$ 50 mil por mês "vai pagar um pouquinho mais". Há quem questione a eficácia de taxar os milionários, dizendo que isso vai afugentar investimentos, mas é a regra vigente na maioria dos países. Mais do que isso, é questão de justiça social: quem ganha mais tem de pagar mais imposto.
Ainda não está claro como a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil será compensada. Não será surpresa se o governo der com uma mão e tirar com a outra, taxando quem ganha um pouco mais do que esse valor. O pacote está sendo conhecido aos poucos. Haddad não entrou em detalhes.
O ministro acenou com a aplicação do teto salarial para os funcionários e agentes públicos de todos os poderes, mas é possível que o resultado seja insignificante. Quem conseguirá fazer com que os penduricalhos aprovados pelo Judiciário e que se estendem às demais carreiras jurídicas sejam incluídos no teto, se só o subsídio de boa parte dessas carreiras já está no limite?
Também não se sabe exatamente qual será a contribuição dos militares e do Congresso. O ministro falou apenas que haverá idade mínima para os militares irem para a reserva e restrições à transferência de pensões. E destacou as mudanças no sistema de pagamento das emendas, lembrando que o crescimento será limitado e que 50% dos recursos terão de ser direcionados à saúde pública, para fortalecimento do SUS.
O Brasil só saberá o tamanho do impacto quando o pacote for inteiramente desatado, mas, como precisa passar pelo Congresso, o resultado final será o que a Câmara e o Senado aprovarem.