Quando a Corsan foi privatizada, um dos seus problemas era o mesmo que quebrou a CEEE: os elevados valores gastos com ações trabalhistas. O governo estadual alegava que o excessivo número de ações trabalhistas impedia investimentos na atividade fim da empresa, o saneamento. Ao comprar a Corsan, a Aegea herdou um passivo que era de conhecimento dos compradores e foi levado em conta na definição do preço mínimo, até hoje contestado pelo Sindiágua, que representa os funcionários.
A Corsan privatizada segue enfrentando as mesmas dificuldades do tempo em que era estatal. Cerca de 1,3 mil funcionários ativos têm ações judiciais contra a própria empresa. Esse número representa mais de um terço do total de empregados da companhia. Entre os mais de 2,5 mil que voluntariamente deixaram a Corsan no último ano, pelo menos 1,4 mil também acionaram a empresa na Justiça.
O valor que terá de ser despendido nas indenizações só será conhecido quando as ações transitarem em julgado, mas uma coisa é certa: a Corsan não perde mais ações por não ter apresentado defesa em tempo hábil. Nos últimos dois anos, a companhia pagou R$ 550 milhões só em ações trabalhistas. Foram R$ 290 milhões em 2023 e um pouco menos neste ano, por causa da enchente que reduziu o ritmo de trabalho no Judiciário. De acordo com a direção da empresa, o excesso de recursos canalizados para o pagamento de indenizações trabalhistas desacelera a universalização do saneamento.
O fenômeno batizado internamente de “fogo amigo” se amplia com os chamados litigantes repetitivos — empregados ativos ou inativos que processam a companhia duas ou mais vezes. Nesse cômputo, estão 2 mil ações de funcionários ativos e 3 mil de funcionários que se desligaram da empresa.
A proporção de litigantes repetitivos na Corsan chega a 85% dos funcionários com ações judiciais. Esse índice contrasta com o das demais companhias de saneamento do país. Para efeito de comparação, a Sabesp, com praticamente o triplo de funcionários, tem apenas 32,8% de litigantes repetitivos, segundo um estudo conduzido pela professora Luciana Yeung, do Insper.
O cerne das reivindicações dos funcionários da Corsan é, em geral, o mesmo: a disputa por promoções por antiguidade, referentes a alguns anos das décadas de 1990 e 2000. Esses aumentos, focados exclusivamente no tempo de serviço, não consideram critérios de mérito ou progressão de cargo.
Os funcionários argumentam que a empresa simplesmente deixou de aplicar os aumentos por antiguidade. A Corsan, por outro lado, sustenta que os reajustes foram feitos de acordo com critérios objetivos e previstos em conjunto próprio de normas, resultando em índices que superavam o próprio crescimento da empresa. O tema é tratado no âmbito de cerca de 8,5 mil processos trabalhistas no Rio Grande do Sul e no Tribunal Superior do Trabalho (TST).