Antes da enchente, já era difícil saber sem olhar no mapa onde termina o município de Guaíba e começa o de Eldorado do Sul. Com o alagamento, só os guard-rails da BR-116 e da BR-290 (que se parecem rios) dão a indicação de alguma linha divisória. Nascido em 1988 de uma costela de Guaíba, Eldorado do Sul, nome escolhido por votação, levou com ele os distritos de Eldorado, Bom Retiro do Guaíba, Guaíba Country Club (hoje Parque Eldorado) e Sans Souci, rebatizado Flor do Conde.
O centro, também chamado de Medianeira, está debaixo d'água. O prefeito Ernani Gonçalves (PDT), vereadores e secretários ficaram ilhados no segundo andar do centro administrativo. Quem morava nessa área perdeu tudo.
- Nosso município acabou - desabafou o prefeito ao ver Eldorado debaixo d’água.
Quando a água do Jacuí começou a subir muito rapidamente, os moradores de Eldorado do Sul correram para Guaíba, que tem 30% da área alagada e precisou socorrer os seus e também os vizinhos. Quem ficou por mais tempo precisou ser resgatado, primeiro por terra, em caminhões, depois pela água, em barcos, botes e jet skis. Em Guaíba, a área mais afetada foi a popular Cohab Santa Rita, oficialmente chamada de Jardim Santa Rita.
O prefeito de Guaíba, Marcelo Maranata (PDT), relata a situação de pavor que viveu na terça-feira, quando a comida simplesmente terminou. A salvação veio em uma carreta com doações que conseguiu atravessar as pontes do Guaíba e do Jacuí e chegou ao município com mantimentos para atender às cerca de 12 mil pessoas que estão em 75 abrigos.
- Temos 1.540 crianças, 1.400 idosos, 2.300 acamados e 1.300 animais para cuidar e precisamos de colchões, comida, fraldas descartáveis, adulto e infantil, e ração. As doações que chegam terminam muito rápido, mas temos a promessa de que as coisas vão se normalizar - diz o prefeito.
Nos abrigos, não há diferença entre os nativos de Guaíba e os acolhidos de Eldorado, um número hoje estimado em 2,6 mil. A preocupação mais imediata do prefeito Maranata é com a chegada do frio, já que são 12 mil pessoas nos abrigos e somente 6 mil colchões. Os que sobram dormem em cima de um cobertor, que agora terão de usar para se tapar.
A situação já foi pior. Nos primeiros dias, Guaíba acolheu 3,5 mil moradores de Eldorado. Com falta de policiais, a prefeitura teve de administrar a chegada dos presos do semi-aberto liberados de Charqueadas e as rixas entre facções rivais e a demarcação de território feita pelos líderes do crime, que definiam até quem podia ou não entrar em determinados banheiros do abrigo instalado na Ulbra.
- Tínhamos 3 mil pessoas só na Ulbra - conta Maranata.
Com a solidariedade dos municípios vizinhos, a pressão sobre Guaíba aliviou um pouco. Sertão Santana abrigou 700 pessoas, Cerro Grande, 360, Mariana Pimentel, 400 e Sentinela do Sul, 440. Com o reforço do policiamento e a chega de oficiais para organizar os abrigos, a paz voltou. A maioria dos presos foi embora por ponta própria. Para ondem, Maranata não sabe precisar.
A cidade está sem gasolina, mas tem água e luz. A parte alta não foi afetada, mas a beira do Guaíba virou rio. O Caisinho, tradicional restaurante da Cidade, só aparece o telhado. O píer sumiu e a estação hidroviária está completamente alagada.
Os guaibenses que trabalham em Porto Alegre e ficaram retidos querem voltar para casa a qualquer custo. O prefeito diz que está negociando uma forma segura de garantir o retorno de todos os que têm família em Guaíba, mas isso depende da correnteza e das condições do Guaíba. A CMPC, maior empresa do município, se dispôs a adequar uma de suas docas para receber os barcos com moradores.