A prefeitura de Porto Alegre poderia adotar como lema o adágio “porta arrombada, tranca de ferro”. Só agora, depois que 10 pessoas morreram e 15 ficaram feridas no pior incêndio deste milênio na Capital, é que os técnicos vão fazer o que deveriam ter feito quando foram assinados os convênios para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade: visitar as pousadas e verificar se oferecem condições de segurança.
Por que isso não foi feito antes? Porque em nome da liberdade econômica, adotou-se o princípio da boa-fé. O empreendedor declara que seu negócio é de baixo risco, ganha uma autorização para funcionar sem necessidade de alvará e se compromete a encaminhar o plano de prevenção e combate a incêndios (PPCI).
A Pousada Garoa da Avenida Farrapos era uma arapuca, segundo a descrição dos bombeiros. Podia ser tudo, menos um empreendimento de baixo risco. Mesmo assim, a prefeitura firmou convênios com essa rede em 2020 e os renovou por mais um ano, em dezembro de 2023, sem verificar se o PPCI tinha sido aprovado (ou pelo menos encaminhado) ou em que condições as pessoas eram acomodadas.
Registre-se que essas pousadas não fazem nenhum favor. A prefeitura paga e paga bem para que acolham moradores de rua, o que é correto em uma cidade com tanta gente sem teto, sem emprego e sem condições, muitas vezes, de retornar para a cidade de onde veio em busca de uma vida melhor.
No mesmo espaço hospedam-se pessoas que não podem pagar um lugar melhor para viver. São as pensões do passado rebatizadas de pousadas. No caso da rede Garoa, o primeiro contrato foi assinado em novembro de 2020, com duração de apenas seis meses, e renovado sucessivamente. Alguém sabia qual era o estado das camas, das divisórias, das cozinhas? Sabia dos riscos de um sinistro? Conferiu se havia extintores de incêndio? Pelo que se ouviu até aqui, não. A prefeitura comprou um pacote fechado e confiou no que o proprietário colocou no papel.
— Por que os moradores não reclamaram? — hão de se perguntar os usuários do Airbnb, que costumam dar nota e escrever avaliações detalhadas sobre os imóveis que alugam para passar as férias.
Ora, essas pessoas são invisíveis para a sociedade. Pobres, sujos e famintos, dão graças a Deus por encontrar um teto e não precisar dormir ao relento. Vão reclamar se a parede é de tapume ou se o prédio não tem porta corta-fogo ou extintor de incêndio? Não. Esse não é o mundo de quem vive em “vulnerabilidade social”, expressão politicamente correta para chamar os moradores de rua ou quem depende do Estado para tudo.