O semblante do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante a entrevista tensa desta segunda-feira (30), diz tudo: o presidente Lula o colocou em uma enrascada quando disse, com mais de um ano de antecedência, que não será possível cumprir o combinado de ter déficit zero em 2024. Mais do que a afirmação em si, o que pode ser considerada uma puxada de tapete (ou retirada da escada, o que seria mais grave) foi o tom de desprezo pelo equilíbrio das contas públicas.
Nascido politicamente no ambiente sindical, Lula sabe que falar em ajuste fiscal, déficit zero ou controle de gastos não dá aplausos da torcida. E quando fala de improviso, tem dificuldade de separar a persona do tantas vezes candidato da figura de presidente da República. Lula prefere anunciar investimentos, reajustes salariais, aumento dos gastos em saúde e educação. Quem não preferiria? O problema é que gastos e investimentos precisam caber no orçamento ou geram déficit, que é uma das causas do juro elevado.
Há outros agravantes que não podem ser ignorados. Foi o governo quem propôs o déficit zero em 2024 para aprovar o novo arcabouço fiscal. Não foi a oposição nem o mercado. E se o governo não se compromete com o que propôs, com que cara Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, encararão o Congresso?
Na entrevista em que deixou perguntas sem resposta, Haddad falou em apoio político — sinal de que está se sentindo fragilizado. Tentou tapar o sol com a peneira, remendar os furos feitos por Lula na estrutura do barco governista, mas não convenceu. Sempre se soube que déficit zero em 2024 era uma meta difícil, mas quando o presidente diz um ano antes que não haverá como cumpri-la, o que sobra?
É equívoco dizer que o "mercado" quer déficit zero parar lucrar mais. É o contrário. Se considerar os bancos como a espinha dorsal do mercado, é preciso lembrar que lucram com o déficit, porque o governo se obriga a pagar mais e mais juros para os especuladores, encarecendo a produção.
Haddad tentou tranquilizar o país (não apenas o mercado) dizendo que perseguirá a meta do déficit zero, que nada mais é do que gastar o que se arrecada. Quando foi anunciado ministro da Fazenda, Haddad enfrentou resistência. Aos poucos, foi conquistando a confiança de diferentes atores e, hoje, se sair provocará um rombo no casco do navio bem maior do que o provocado pelas declarações de Lula.
A título de exercício, perguntemos: quem seria o substituto? Aloizio Mercadante, mais adepto da gastança? Um político sem a serenidade do ex-ministro da educação? Um técnico de quem jamais se ouviu falar? Qualquer que seja a resposta, convém preparar os cartazes: "Fica, Haddad".