Eleito governador do Rio Grande do Sul em 1994, com uma agenda de modernização da gestão pública, Antônio Britto tinha verdadeiro horror aos balanços de cem dias. Dizia que essa era uma agenda da imprensa, que não conversava com a realidade da população e que nem de longe traduzia os desafios do governo. Hoje na iniciativa privada, é possível que Britto nem lembre da sua bronca de quase três décadas, mas ele não deixa de ter razão: balanços de cem dias não têm muita utilidade. O que mudou é que os governos se sentem na obrigação de produzir relatórios para garantir manchetes e análises minimamente favoráveis.
O presidente Lula transformou o balanço dos cem dias em um evento com a participação de todo o ministério. O relatório lista 250 ações do período que vai de 1º de janeiro a 10 de abril, mas a maioria não tem maior impacto na vida dos brasileiros, até porque boa parte são relançamentos de programas que ainda não saíram do papel ou estão engatinhando.
Aos olhos dos adversários, cem dias são um prato cheio para cobrar promessas de campanha que, todos sabem, não seriam cumpridas em tão pouco tempo. Talvez nunca venham a ser, porque eram formulações sob medida para a propaganda de TV e os debates. Exemplo mais claro é o de garantir a picanha no churrasquinho de domingo. Afora os vegetarianos, veganos e pessoas que preferem peixe ao churrasco, o Brasil se divide entre os que nunca deixaram de comer picanha, os que tiveram de reduzir o consumo e aqueles que conhecem esse corte nobre por ouvir falar. Para garantir a picanha simbólica no churrasco dos brasileiros, é preciso aumentar o poder aquisitivo dos trabalhadores, o que depende de economia aquecida e de controle da inflação. Nos cem dias, nenhuma dessas condições está posta.
O candidato também prometeu isentar de Imposto de Renda os salários até cinco mínimos, mas ficou em dois e não corrigiu a tabela congelada desde 2015. Alguém imaginava que o faria em cem dias? Nesta segunda-feira (10), Lula prometeu dar mais atenção à classe média, normalmente chamada a pagar a conta. Para tanto, a promessa é taxar os mais ricos. Conseguirá o governo apoio do Congresso?
Lula vem sendo criticado pelas promessas que não cumpriu e pelas que está cumprindo. Como antítese de Jair Bolsonaro, ele não se elegeu prometendo manter a política econômica de Paulo Guedes. Ao romper com a agenda de Bolsonaro, estressa o mercado e sofre críticas da oposição. Exemplos? O aumento do salário mínimo, a substituição do teto de gastos por uma nova âncora fiscal, o fim a suspensão das privatizações de empresas como os Correios, o afrouxamento das regras para estatais de saneamento. Se dependesse de Gleisi Hoffmann, o programa do PT seria ainda mais radical.
ALIÁS
No caso do Rio Grande do Sul, em que na prática o governador Eduardo Leite foi reeleito, o balanço dos cem dias é uma construção singular, porque não há como ignorar os erros e acertos de quatro anos.