O jornalista Bruno Pancot colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço
Enquanto a fome avança no Rio Grande do Sul, quase oito meses depois do decreto que regulamentou a doação de alimentos por bares e restaurantes em Porto Alegre, a norma que poderia servir para atenuar a fome na Capital ainda não saiu do papel. Conforme as entidades que representam o setor de bares, restaurantes e alimentação, não há qualquer registro de estabelecimentos que tenham aderido à entrega de excedentes para entidades que atendem pessoas em situação de insegurança alimentar.
O principal problema, segundo os donos de restaurantes, é a logística para levar os alimentos até quem precisa. O decreto municipal não deixa claro de que forma e por quem deve ser feito o transporte dos excedentes.
— Não é simplesmente doar comida, precisa de uma adaptação dos bares e restaurantes. Tem que ter embalagem e transporte. A logística, sair do restaurante e chegar até quem precisa, é o ponto nevrálgico — explica Maria Fernanda Tartoni, proprietária do Tartoni Ristorante e membro do conselho da Abrasel.
Na época do decreto, assinado em 19 de novembro do ano passado, a novidade foi comemorada pelos empresários. Entendeu-se que a norma poderia facilitar a doação de alimentos sem o risco de os estabelecimentos serem responsabilizados no caso de alguém passar mal após o consumo. No entanto, até aqui, a regra não vingou por diferentes razões.
Com a inflação nas alturas e a elevação do preço dos alimentos nos últimos meses, os bares e restaurantes reduziram o desperdício. Segundo o presidente do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região (Sindha), Paulo Geremia, os estabelecimentos também utilizam o excedente para oferecer almoço e janta aos funcionários, e o que sobra é levado para casa pelos próprios empregados.
— Hoje se procura consumir tudo o que é produzido. Os restaurantes se preparam para fazer tudo na hora, dificilmente se produz a mais — conta Geremia.
O proprietário da rede Di Paolo concorda que o transporte é o principal empecilho para a doação de alimentos e adiciona outra preocupação dos restaurantes, a segurança sanitária. Apesar de o decreto isentar os estabelecimentos caso alguém passe mal, os alimentos precisam ser embalados e transportados em temperatura específica.
Pela regra, só podem ser doados os excedentes que não foram expostos para consumo. As sobras dos buffets, por exemplo, não podem ser doadas.
Do outro lado, 15 entidades esperam pelas doações
De acordo com a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), pelo menos 15 entidades manifestaram interesse de receber doações de alimentos. São instituições que oferecem serviços de convivência com almoço, lanche e preparação de viandas.
A presidente da Fasc, Cátia Lara Martins, diz que essas entidades sociais não têm condições econômicas de buscar os excedentes nos restaurantes. Por isso, a prefeitura estuda formas de viabilizar a entrega dos alimentos com o envolvimento da sociedade.
— Será que alguém da iniciativa privada não poderia custear? Não precisa ser tudo com recursos públicos. A sociedade precisa se envolver - sugere.
MP quer mobilizar restaurantes e entidades
A fim de destravar a entrega de alimentos, o Ministério Público tentará mobilizar os bares, restaurantes e as entidades sociais. A promotora Cinara Braga, da Promotoria da Infância e da Juventude de Porto Alegre, afirma que existem instituições com condições para buscar os excedentes. A questão a ser resolvida é a união das duas pontas: engajar quem quer doar e fazer a comida chegar até quem precisa receber.
— A Fasc ficou de fazer um levantamento das instituições. Mas não adianta saber que existem. Precisa saber em que bairros ficam, quando podem buscar, para fazer um esquema de entrega com bares e restaurantes — explica a promotora.
Uma reunião envolvendo MP e Fasc está marcada para a próxima quarta-feira, dia 13. O objetivo é organizar o fluxo das doações. Um dos pontos que precisa ser acertado, por exemplo, é quem ficará responsável pelos recipientes para entregar a comida - os restaurantes ou as entidades.
A fim de destravar a entrega de alimentos, o Ministério Público estadual marcou reunião com representantes da prefeitura para a próxima semana. — A responsabilidade do doador se encerra no momento em que faz a entrega. Bares e restaurantes podem fazer contato com promotoria, ou podem fazer o contato com a Fasc, — diz a promotora.
Os estabelecimentos que desejam doar os excedentes podem entrar em contato com a Promotoria da Infância e da Juventude pelo telefone (51) 3295-1909 ou pelo e-mail pjij-acolhimento@mprs.mp.br.