O trabalho da CPI da Covid não terminou em pizza, mas só haverá consequências no plano da Justiça se o Ministério Público fizer a sua parte. Mesmo que o procurador-geral da República, Augusto Aras, resolva jogar no lixo o trabalho dos senadores, a CPI produziu impacto na sociedade ao expor atos e omissões de autoridades que deveriam zelar pela saúde da população brasileira em meio à pior pandemia da História.
O relatório sugere o indiciamento de 66 pessoas, entre as quais o presidente Jair Bolsonaro, seus três filhos mais velhos, quatro ministros, dois ex-ministros, deputados, empresários, médicos e servidores públicos. Bolsonaro foi enquadrado em nove ilícitos penais: epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo).
Por ter foro privilegiado, a continuidade da investigação, enquanto for presidente, depende do procurador-geral da República, que sempre o tratou com condescendência e foi por ele reconduzido ao cargo. Da mesma forma, deputados e senadores que boicotaram o uso de máscaras, defenderam o uso de medicamentos sem eficácia e espalharam fake news e foram apontados no relatório final da CPI ficarão na dependência da decisão de Aras. Entre os ex-ministros, a carga mais pesada repousa sobre o general Eduardo Pazuello, que estava no cargo nos momentos mais críticos da pandemia.
O grande mérito da CPI foi expor ao país, nos detalhes, a forma como governo lidou com a pandemia, insistindo na tese da imunidade de rebanho pela contaminação, condenando as medidas preventivas e receitando medicamentos sem eficácia, que criaram em parte da população a ilusão da cura.
O capítulo da tentativa de compra de vacinas de intermediários desqualificados, em detrimento da negociação com laboratórios sérios, só perdeu força porque os pagamentos não chegaram a ser feitos.
Indiciados e aliados de Bolsonaro tentam se defender desqualificando o senador Renan Calheiros, relator da CPI, como se as conclusões da comissão só fossem válidas se os investigadores saíssem de um convento de carmelitas. Ora, esse é o Senado que os brasileiros elegeram. Aos brasileiros preocupados com o futuro da população devem interessar os fatos e não o passado de quem os investiga.
Aliás
A reação do senador Flávio Bolsonaro, de responder com uma gargalhada, imitando o pai, quando questionado sobre os indiciamentos, entra para a história da CPI como mais um gesto de insensibilidade de quem nunca foi solidário com as famílias enlutadas.