Está terminando na Alemanha uma era marcada pela força da mulher que por 16 anos comandou os destinos da locomotiva da Europa. Nenhum líder mundial em atividade hoje combina a força, a serenidade, a simplicidade e a confiança que inspira a chanceler Angela Merkel. São 16 anos sob a liderança dessa mulher de 67 anos que marcou profundamente a história do início do século 21.
Merkel não é de arrastar multidões, como o inominável que manchou de sangue a história da Alemanha (e do mundo) no século 20. Ao contrário, leva uma vida de “gente como a gente”, a ponto de fazer compras e empurrar o carrinho de supermercado, como se não fosse uma das mulheres mais poderosas do planeta. Merkel é competência com nome de mulher, sem perder a simplicidade e o sentido humanitário. Não por acaso, os refugiados que a Alemanha acolheu nos últimos anos — e que hoje fazem a diferença na economia alemã, em comparação com outros países — a homenageiam dando aos filhos e filhas nomes como Angela, Angie, Angel e até Merkel.
Até por ser fruto de um sistema parlamentarista, em que o primeiro ministro é produto de uma construção partidária e, se não obtiver maioria na eleição, de um concerto político, Merkel nem de longe lembra as figuras patéticas do presidencialismo populista da América Latina.
A sóbria Alemanha aprendeu a duras penas que os salvadores da Pátria podem ser seus coveiros. Não existe lá essa adoração doentia que se vê no Brasil, na Argentina e em outros países acostumados a venerar seus líderes e a transformá-los em mitos de esquerda ou de direita. Se Merkel tivesse sido uma chefe de governo incompetente, teria caído antes de completar o primeiro ciclo de mandato — e essa é a beleza do parlamentarismo.
De seus 16 anos à frente do governo da poderosa Alemanha não há registro de desperdício, ostentação, escândalos envolvendo recursos públicos ou financiamento de campanhas. De todos os líderes do G20 que lhe apertaram a mão nestes 16 anos, nenhum encarna tão bem a ideia de austeridade com responsabilidade quanto ela. Por isso, deve ser uma inspiração para mulheres e homens do mundo inteiro.
Talvez o cinema não se interesse em transformar a vida de Angela Merkel em filme, como fez com Margaret Thatcher, em A Dama de Ferro, interpretação magistral de Meryl Streep. A chanceler alemã não foi uma pioneira como Thatcher, mas enfrentou desafios iguais ou maiores sem jamais perder a fleuma. O mundo não será o mesmo sem ela.
ALIÁS
A forma como Angela Merkel é respeitada mostra o quanto o Brasil caminha na contramão do mundo, com ataques grosseiros às mulheres que se aventuram na política. Os recentes ataques à deputada Tabata Amaral e à senadora Simone Tebet são primitivos.