Em mais de nove horas de depoimento, o segundo à CPI da Covid, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, desarmou os senadores mais agressivos, com respostas baseadas na ciência, e desconcertou os governistas, que em todas as sessões gastam saliva defendendo tratamentos de ineficácia comprovada. Queiroga manteve a serenidade ao longo de toda a sessão da CPI e exercitou o talento de malabarista para se equilibrar entre a visão científica, que defende, com a condição de ministro de um presidente que faz o contrário do que a ciência recomenda.
Diferentemente do primeiro depoimento, em que não quis se posicionar sobre a cloroquina, desta vez Queiroga não deixou dúvida sobre sua opinião em relação ao tratamento precoce. A uma pergunta direta do relator Renan Calheiros sobre sua opinião “técnica, de médico, em relação ao tratamento precoce com cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina”, Queiroga respondeu:
— Senador, eu já respondi. Essas medicações não têm eficácia comprovada. Não têm eficácia comprovada.
Apesar desse reconhecimento da ineficácia, Queiroga titubeou quando questionado sobre o motivo de não retirar do site do Ministério da Saúde a nota informativa que trata do dito tratamento precoce. Disse que não retira porque não é protocolo, não tem efeito prático, mas faz parte da “história do enfrentamento à covid”. Em outras palavras, seria uma espécie de peça de museu.
Em resposta a outra pergunta sobre os médicos que defendem o tratamento precoce, o ministro insistiu na necessidade de vacinação em massa, que pretende concluir até dezembro:
— Como médico, eu entendo que essas discussões são laterais e nada contribuem para pôr fim ao caráter pandêmico dessa doença. O que vai acabar com o caráter pandêmico dessa doença é ampliar a campanha de vacinação — insistiu Queiroga.
Adepto do uso da máscara, do distanciamento social e das medidas de higiene, Queiroga disse que é ministro da Saúde e não “censor do presidente da República”. A pergunta do presidente da CPI, Omar Aziz, era sobre o possível constrangimento de não conseguir convencer o presidente Jair Bolsonaro a respeitar as medidas que o próprio Ministério da Saúde recomenda em suas campanhas. Confrontado com as imagens de Bolsonaro sem máscara, em aglomerações Brasil afora, o ministro foi econômico nas palavras. Disse que as imagens falam por si.
Boa parte do tempo foi gasta pelos senadores para questionar Queiroga sobre o recuo na nomeação da infectologista Luana Araújo, que não teria passado no crivo da Casa Civil. O ministro disse que foi dele a decisão de não nomear Luana:
— O nome de Luana começou a sofrer muitas resistências por causa dos temas que estamos tratando. Então eu decidi cancelar a nomeação. Eu desisti porque vi que o nome dela não estava suscitando o consenso que eu queria.
Embora tenha dito que não deu aval à realização da Copa América no Brasil, porque não seria atribuição sua, o ministro defendeu a decisão do governo. Disse que os jogos no Brasil estão liberados e o risco de os jogadores e comissões técnicas se contaminarem é o mesmo da população em geral.
Aliás
Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter marcado para quinta-feira a sessão para julgar a ação do PSB contra a realização da Copa América, é improvável que os ministros suspendam os jogos, dado que outros certames estão em andamento.
Pernas curtas
A falta de compromisso do presidente Jair Bolsonaro com a verdade atingiu um novo patamar ao dizer, sem qualquer base, que o Tribunal de Contas da União havia feito um estudo e concluído que 50% das mortes atribuídas à covid-19 teriam ocorrido por outras causas.
Desmentido pelo TCU, Bolsonaro simplesmente admitiu que errou, mas continuou insistindo na tese de que houve supernotificação, como se Estados e prefeituras ganhassem alguma coisa para inflar os números.
O que os especialistas dizem é o contrário: o que existe no Brasil é subnotificação, já que boa parte das mortes por síndrome respiratória aguda grave não entra na estatística da covid por falta de testagem.
Preparando terreno
Já se passaram exatos 15 meses desde que o presidente Jair Bolsonaro anunciou, nos Estados Unidos, que apresentaria provas de que houve fraude na eleição de 2018, vencida por ele no segundo turno. Não apresentou, mas continuou batendo nessa tecla, preparando o terreno para o caso de perder a eleição de 2022.
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