Chamado a prestar depoimento pela segunda vez na Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) que apura possíveis negligências do governo federal no combate à pandemia do coronavírus, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga começou a falar na manhã desta terça-feira (8) e só terminou no começo da noite. Sua segunda participação já estava confirmada, mas foi adiantada após o presidente Jair Bolsonaro anunciar que o Brasil será a sede da Copa América.
No Senado, Queiroga tocou em diversos assuntos: admitiu que a hidroxicloroquina não tem eficácia comprovada contra a covid-19, postura que contraria os apoiadores de Bolsonaro, defendeu a produção de uma vacina nacional, como a ButanVac, do Instituto Butantan, e disse que não é censor do presidente e que já o alertou sobre o uso de máscara e a importância do distanciamento social.
Abaixo, confira os principais pontos do depoimento:
"Devemos apostar no futuro em vacina nacional"
Queiroga voltou a defender o uso de vacinas desenvolvidas e produzidas em território nacional como a saída de longo prazo para a crise sanitária causada pelo coronavírus. Durante sua fala à CPI, disse que o Brasil "deve apostar no futuro em vacina nacional" e afirmou que já existem conversas pelo ministério para a compra de vacinas para nova rodada de imunização.
— Minha opinião pessoal é de que precisaremos (de vacinação regular) — defendeu.
Queiroga relatou que conversou na segunda-feira (7) com o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e disse ter sugerido que o instituto, hoje responsável pela maioria das doses aplicadas no Brasil, ao invés de produzir 30 milhões de vacinas da CoronaVac, imunizante contra a covid-19 produzido a partir de insumos chineses, fizesse a opção por 30 milhões de doses da ButanVac, vacina candidata contra a covid-19 desenvolvida no Brasil e que aguarda liberação da agência reguladora para início dos testes clínicos. De acordo com o ministro, a pasta já recebeu proposta do Butantan para o fornecimento da ButanVac.
— Estive com o doutor Dimas Covas do Instituto Butantan, visitei as instalações, vi as pesquisas que estão sendo feitas com a vacina ButanVac. Acho que é uma excelente alternativa para o nosso programa nacional de imunização. A CoronaVac é uma vacina de uso emergencial. Já temos a AstraZeneca sendo produzida aqui no Brasil em volume (maior) a partir do último trimestre deste ano. Penso que a gente deveria apostar no futuro, em uma vacina nacional — destacou.
Cloroquina
Durante a sessão da CPI, o ministro fez a declaração mais enfática até o momento sobre o chamado tratamento precoce, defendido por Bolsonaro apesar de não haver nenhuma evidência científica da eficácia de medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina contra a covid-19.
— Senador, eu já respondi a Vossa Excelência, essas medicações não têm eficácia comprovada. Não têm eficácia comprovada — disse ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL).
O chamado tratamento precoce é defendido por Bolsonaro e pela tropa de choque do Palácio do Planalto na CPI da Covid. O comentário de Queiroga provocou críticas do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que assumiu uma vaga de titular na comissão após a viagem do senador Ciro Nogueira (PP-PI) ao exterior nesta semana.
— Nós vamos apoiar a vacina, sim, mas não podemos desqualificar o tratamento precoce —disse Heinze.
O ministro declarou que não questiona a legitimidade de médicos pró-cloroquina, mas que o protocolo sobre o tratamento precisa ser resolvido no ambiente científico e pacificado "de uma vez por todas". O protocolo sobre a medicação poderá ser concluído em "curto período de tempo" pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec), disse Queiroga.
"Sou ministro da Saúde, não censor do presidente da República"
Como fez em seu primeiro depoimento à CPI, o ministro da Saúde se esquivou de avaliar as atitudes do presidente Jair Bolsonaro que contrariam medidas de enfrentamento à covid-19, como uso de máscara e distanciamento social. Em resposta ao relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Queiroga afirmou não ser "censor" do presidente da República. Antes disso, Renan mostrou um vídeo com episódios de aglomerações provocadas por Bolsonaro, chamando Queiroga de "omisso" pelo fato de o presidente continuar promovendo essas situações.
O ministro da Saúde disse já ter falado com o presidente sobre o assunto. Perguntado sobre o que Bolsonaro teria falado nesses encontros, Queiroga disse apenas que, em sua presença, o presidente usa máscara "na grande maioria das vezes". O titular da Saúde afirmou também que orienta Bolsonaro sobre essas questões.
— Evidente que sim. Já informei que conversei com o presidente sobre esse assunto. É um ato individual. As imagens falam por si só, estou aqui como ministro para ajudar o País, e não vou fazer juízo de valor a respeito da conduta do presidente da República — afirmou Queiroga, que disse ainda que as recomendações sanitárias "estão postas" e que cabe "a todos" aderir a essas medidas.
Copa América
Queiroga afirmou que não existem provas de que a prática de esportes aumente a contaminação de atletas. A declaração foi dada em resposta aos questionamentos de Renan Calheiros sobre o Brasil ter aceitado sediar a Copa América.
— Estados que aceitaram Copa América estão de acordo com a atividade. Decisão de fazer ou não evento (a copa) não compete ao Ministério da Saúde — disse Queiroga.
De acordo com ele, serão apresentados documentos que fundamentam a posição do governo sobre sediar o campeonato. O ministro ainda alegou que não haverá risco de aglomerações e contaminação maior do coronavírus em razão da Copa América.
— Copa América é evento pequeno com número pequeno de pessoas, não é Olimpíada —disse.
Ele também voltou a dizer que a vacinação contra a covid-19 das comitivas que disputarão o campeonato não será obrigatória, contrariando informação dada pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. A competição começa no próximo domingo, dia 13.
Mayra Pinheiro e Luana Araújo
Ele disse que não há imposição do governo federal ou do presidente Jair Bolsonaro para a manutenção de nenhum secretário da pasta. Em especial, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação no Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, defensora de tratamentos contra a covid-19 sem eficácia comprovada.
— Já falei qual é a função da doutora Mayra. A questão de ter um representante da secretaria de Gestão do Trabalho na Conitec não quer dizer que a doutora Mayra será essa representante. No meu entendimento, a doutora Mayra tem uma posição bem clara e definida sobre esse assunto e, se fosse eu que estivesse ali, me declararia impedido de atuar — disse Queiroga que negou ter feito essa sugestão à médica ou atuado para impedir a participação dela.
Sobre a demissão de outra médica, a infectologista Luana Araújo, favorável às medidas de contenção da disseminação da covid-19, o ministro disse que a decisão de não mantê-la no cargo foi dele.
— Quem faz essa decisão a respeito do Ministério da Saúde sou eu. A decisão foi minha —afirmou Queiroga sobre a não efetivação da médica na recém-criada secretaria de combate à covid-19.
Segundo o ministro da Saúde, Luana não traria "a conciliação entre os médicos", alguns dos quais defendem medidas sem comprovação científica que poderiam agravar o surto da doença no País. Ele também afirmou que a ex-secretária não mentiu quando disse à CPI que sua nomeação não aconteceu por falta de "validação política".
Bate-boca
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), precisou suspender por 10 minutos a sessão de depoimento do ministro da Saúde por causa de uma discussão acalorada entre o titular da pasta e o senador Otto Alencar (PSD-BA). Apesar de Queiroga já ter demonstrado irritação em outros momentos da oitiva, o debate foi o mais acirrado até aquele momento.
O bate-boca começou após o senador perguntar se Queiroga tinha lido as bulas das vacinas contra covid-19 aplicadas no país, recebendo uma resposta negativa. Otto classificou o ato como "irresponsável". Ao questionar a escolha do ministério sobre o período de aplicação da segunda dose da vacina da Pfizer, Alencar esquentou o interrogatório de Queiroga, e o tom do ministro também se elevou.