A disciplina e a hierarquia, dois pilares do Exército Brasileiro, foram abalroados, simbolicamente, pelas motocicletas do presidente Jair Bolsonaro e do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Ao aceitar a explicação furada de Pazuello, de que o ato do qual participou ao lado de Bolsonaro no Rio de Janeiro no dia 23 de maio não era político, o alto comando do Exército abriu a porteira para a indisciplina.
Dizer que a passeata de motos e o comício de Bolsonaro, com discurso e tudo, não foi um ato político é o legítimo “me engana que eu gosto”. Se aquele não foi um ato político, de general para baixo ficam todos os militares autorizados a participar de protestos ou manifestações de apoio? É essa a pergunta que se fazem generais e ciosos da importância da disciplina e do respeito à hierarquia na corporação.
Outras justificativas para embasar o argumento de que o ato não foi político, como o fato de que Bolsonaro não está filiado a partido político no momento, soam risíveis à população em geral e ofensivos aos generais que honram a farda verde-oliva. Ora, Bolsonaro está em campanha antecipada pela reeleição e a todo momento ameaça colocar o Exército que chama de seu nas ruas para impedir que governadores e prefeitos adotem restrições à circulação de pessoas entre as medidas para conter a disseminação do coronavírus.
O Exército, como a Marinha e a Aeronáutica, é uma instituição do Estado brasileiro e não do presidente da ocasião. O fato de um dia ter pertencido às Forças Armadas não dá a Bolsonaro o direito de tratá-las como puxadinho do Palácio do Planalto.
A nota do Centro de Comunicação Social do Exército dizendo que “não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello”, foi precedida pela nomeação do ex-ministro da Saúde para um cargo estratégico dentro do Palácio do Planalto. Era um recado nada sutil do presidente Bolsonaro, que não aceitava nem mesmo a punição mais branda, a advertência.
Na hora em que militares da ativa aceitaram ocupar cargos no governo — Pazuello entre eles — estavam fazendo política, mas sem transgredir as regras internas. Os regulamentos militares proíbem “manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”. Ao pé da letra, o que Pazuello, general da ativa, fez incontáveis vezes na condição de ministro foram atos políticos, mas estava no exercício de um cargo civil. Agora, a porteira está aberta: o capitão manda nos generais.