Demitida antes de sua nomeação como secretária de enfrentamento ao coronavírus sair no Diário Oficial da União, a infectologista Luana Araújo deu uma aula aos senadores na CPI da Covid. O depoimento deixou claro por que Luana, convidada pelo ministro Marcelo Queiroga para o cargo, não passou no crivo do presidente Jair Bolsonaro: trata-se de uma mulher comprometida com a ciência até a medula.
Embora ninguém tenha dito por que caiu, a explicação do ministro Queiroga de que “o sistema é presidencialista” e que seu nome “não passou na Casa Civil” escancara a opção política. Luana caiu pelo mesmo motivo que Nelson Teich só durou um mês do cargo: não aceitou trocar a ciência pelo que chamou de neocurandeirismo.
Questionada repetidas vezes sobre o uso da cloroquina, a infectologista disse que esse debate era “delirante, esdrúxulo, anacrônico e contraproducente”. E produziu a frase que ficará nos anais da CPI como a mais inspirada até aqui:
— É como se estivéssemos discutindo de que borda da terra plana vamos pular.
Embora tenha defendido Queiroga, a quem definiu como “homem da ciência”, Luana acabou por mostrar que, de certa forma, o ministro é um peixe fora d’água, sem poder para nomear uma secretária do segundo escalão que tem todas as qualificações técnicas para o cargo, mas não passou no crivo político.
Sem papas na língua e sem a preocupação de outros depoentes que mentiram para não se comprometer, Luana disse o que pensa e que vai na contramão da orientação do Palácio do Planalto, sobretudo em relação ao chamado tratamento precoce com cloroquina, o uso de máscara e o distanciamento social.
A infectologista também deu uma aula sobre autonomia médica, lembrando que essa prerrogativa não inclui o direito de prescrever medicamentos de ineficácia comprovada nem de colocar em risco a vida do paciente.
— Autonomia médica faz parte da nossa prática, mas não é licença para experimentação. A autonomia precisa ser defendida sim, mas com base em alguns pilares. No pilar da plausibilidade teórica do uso daquela medicação, do volume de conhecimento científico acumulado até aquele momento, no pilar da ética e no pilar da responsabilização. Quando junta tudo isso, você tem direito a uma autonomia e precisa fazer o melhor para seu paciente.
Luana também definiu como absurda a imunidade de rebanho na forma defendida por aliados do presidente, como o deputado federal Osmar Terra, de que ela seria atingida ao natural pela contaminação do maior número de pessoas. Disse que a única forma de se atingir a imunidade de rebanho é pela vacinação e não por deixar o vírus circular entre a população.