A ignorância em relação ao equipamento de oxigenação por membrana extracorpórea, o ECMO, somada à busca de protagonismo político explica a aprovação do regime de urgência para um projeto demagógico do deputado Francisco Júnior (PSD-MG) na Câmara Federal. O texto prevê que os hospitais de campanha construídos para atender pacientes da covid-19 devem ter pelo menos um ECMO para atender os casos mais graves.
O ECMO é um equipamento sofisticado, ainda pouco usado no Brasil, pela complexidade de operação. É uma espécie de pulmão artificial, que filtra o sangue fora do corpo enquanto o órgão se recupera das lesões provocadas pelo coronavírus ou por outras doenças. Ficou conhecido dos brasileiros por ter sido usado no tratamento do ator Paulo Gustavo, que acabou morrendo na semana passada.
De acordo com o projeto, os recursos para a compra do ECMO e o treinamento das equipes virão do Fundo Nacional de Saúde (FNS), que concentra as verbas destinadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
O ECMO é um aparelho usado nos casos mais graves de insuficiência respiratória e é recomendado aos pacientes que não respondem à ventilação mecânica tradicional. O preço global do equipamento tem sido um obstáculo para a sua disseminação na rede hospitalar pública durante a pandemia.
— Ciente do alto custo da terapia, a proposta apresenta a solução de uma quantidade mínima a ser ofertada e, neste momento da pandemia, apenas nos hospitais de campanha — disse o deputado Francisco Júnior, com ares de entendido.
Médicos intensivistas vêm alertando, há mais de um ano, que os hospitais de campanha não são indicados para pacientes em estado gravíssimo. Qual o sentido de colocar ECMO em hospitais de campanha, se o recomendado é que sejam usados em UTIs fixas, com estrutura adequada e profissionais treinados?
— Projetos como esse são feitos por quem não entende nada do assunto. Fico me perguntando se a Câmara não tem uma assessoria técnica para lhes explicar o que, para os técnicos, é óbvio. Não acho que deputados e senadores tenham de conhecer medicina, economia, engenharia ou educação... Mas que eles precisam, urgente, de assessoria técnica em todas essas áreas, não há dúvida — opina Álvaro Reischak Oliveira, professor de Fisiologia da UFRGS.
A médica Lúcia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde, lembra que a ECMO é uma intervenção importantíssima em casos muito graves, mas não evita a doença. E pergunta:
— Por que não direcionar recursos e energia para as pessoas não precisarem de ECMO? Uma campanha bem feita custa menos e salva mais vidas que a ECMO.
Com a autoridade de quem administra um dos poucos hospitais que dispõem de ECMO, e que salvou pacientes graves com essa tecnologia, a diretora-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Nadine Clausell, diz que, individualmente, o equipamento em dia não é caro e custa cerca de R$ 40 mil. A questão é ter equipes qualificadas para operá-lo.
— Isto (o projeto) não faz nenhum sentido. ECMO é para poucos centros especializados — disse Nadine.
Com a ressalva de que não é intensivista, o endocrinologista Rogério Friedman também diz que os recursos seriam mais bem aplicados na prevenção ao vírus:
—O custo disso seria astronômico e demandaria equipes especializadas que não se formam do dia para a noite. Os recursos empatados nesta proposta seriam melhor aplicados em medidas de prevenção e mitigação — opina.