Não fosse a pandemia, eu hoje estaria arrumando a mala e contando as horas para o embarque rumo a alguma praia de mar azul ou, sonho antigo, um cruzeiro pelo Rio Amazonas para conhecer a grandeza e os mistérios da floresta. Nunca me interessei por praias desertas, porque desde que pude escolher destinos para os dias de folga sempre tentei somar atrações naturais com a possibilidade de mergulhar na cultura do lugar, de encontrar gente, de passar a tarde em uma livraria, de entrar em um museu sem hora para sair, de andar naqueles ônibus de dois andares que nos apresentam os pontos turísticos de uma cidade e para os quais muitos dos meus amigos torcem o nariz.
Nas férias do passado caminhava em média 15 quilômetros por dia, passos medidos pelo celular. Eis aqui uma das poucas coisas que seguirei fazendo nestas que se avizinham: andar, andar, andar no silêncio de um parque natural, de uma beira de lagoa, na trilha de uma cachoeira.
Impossível sair do país, porque somos barrados em todos os destinos que poderiam estar na minha rota e, mesmo que assim não fosse, todos vivem o mesmo pesadelo, com restrições à circulação de pessoas.
Manaus saiu dos planos por motivos que dispensam explicação. A floresta seguirá no horizonte para quando tudo passar. Não haverá praias de mar azul no meu roteiro, porque não estou disposta a enfrentar aviões e aeroportos, mesmo com todos os cuidados que são tomados para proteger os viajantes. Congelada a ideia de conhecer Fernando de Noronha ou qualquer outro paraíso nordestino. Arquivado o projeto de descer até a Patagônia. Chance zero de voltar ao Rio de Janeiro e ver o Cristo Redentor que tantas vezes me acolheu de “braços abertos sobre a Guanabara”.
A pandemia nos o obrigou a reinventar tudo, a começar pelo turismo. Pesquiso agora as belezas do Interior e espero compartilhar aqui as descobertas desta jornada pelo Rio Grande profundo. No horizonte, as lagoas do Peixe e dos Patos, os faróis que orientam marinheiros e carregam o estigma da solidão.
Assim como tivemos de repensar as férias, foi e continuará sendo necessário reinventar a fé. A procissões de Navegantes virarão carreatas e orações quase solitárias em templos com lotação restrita e as homenagens a Iemanjá terão de ser individuais. Cada um na sua fé, rezará por dias melhores.
Mais duas semanas será a vez de reinventar o Carnaval, a mais coletiva de todas as festas. Foi o Carnaval no Rio minha última viagem de avião, quando tínhamos a ilusão de que o vírus não se espalharia como se espalhou. Ainda que não tenha ido ao Sambódromo nem pulado nos blocos de rua, foi uma experiência antropológica ver a Babel em que o Rio se transformava nessa época de aglomeração global, impensável um ano depois.
Guardo para 2021, quando espero já ter recebido as duas doses da vacina, a esperança de voos longos, encontros de família, descongelamento de abraços. Vai passar. Até que passe esse tempo de medo, vamos descobrindo que é preciso dar valor à vida que pulsa nas coisas que estão ao alcance da mão. A Patagônia fica para quando o pesadelo acabar.