No texto do projeto que cria um benefício especial para incentivar a migração de servidores estaduais para regime de previdência complementar, o governo Leite embutiu um artigo que, na prática, significa engordar o caixa do Estado com mais de R$ 1,8 bilhão. O Piratini está pedindo autorização à Assembleia para sacar recursos do fundo previdenciário criado no governo de Tarso Genro, o Fundoprev, para bancar as aposentadorias de servidores que ingressaram no Estado a partir de 2011.
As aposentadorias dos 17 mil servidores vinculados a esse fundo seriam pagas, no futuro, pelo Tesouro do Estado.
Na prática, significa usar a velha estratégia de gastar recursos do futuro para cobrir o rombo do presente, como já fizeram outros governos, seja pelo uso de depósitos judiciais de terceiros, pelo saque de recursos reservados ao pagamento de aposentadorias ou pelo recebimento antecipado de créditos de empresas que receberam benefícios fiscais.
Oficialmente, o governo propõe uma “reestruturação” dos fundos que sustentam a previdência estadual, divididos em três: o chamado fundo financeiro, para servidores que ingressaram até junho de 2011, o Fundoprev, para quem entrou daquela data até agosto de 2016, e o RS Prev, para os funcionários que ingressaram depois da reforma aprovada no governo de José Ivo Sartori, que limitou as aposentadorias ao teto do INSS e criou a previdência complementar.
“Fundo financeiro” é uma abstração. Por ser deficitário e sem perspectiva de equilíbrio, quem paga as aposentadorias dos servidores que entraram até 2011 é o Tesouro. Como sustenta aposentadorias e pensões de servidores que pouco ou nada contribuíram no passado, é financiado pelo caixa do Estado.
O governo argumenta que o recurso transferido não irá para o caixa único. Mas, se os quase R$ 2 bilhões (a valores de dezembro de 2019) forem enviados ao "fundo financeiro", menos dinheiro será demandado para financiar o déficit - que, só em 2019, foi de R$ 12,5 bilhões - e o valor que seria utilizado com o pagamento de aposentadorias permanecerá no caixa.
O problema é que, no futuro, quando os servidores que começaram a trabalhar no Estado entre 2011 e 2016 forem para a inatividade, a verba alocada no fundo não estará mais disponível e o pagamento das aposentadorias terá de ser suportado pelo caixa único.
Para efeitos de comparação, seria como se os pais sacassem dinheiro da poupança dos filhos para pagar o aluguel. O valor não iria para a conta bancária da família, mas evitaria a saída de recursos de lá. No entanto, no futuro, a prole ficaria sem poupança.
Aliás
Na estimativa apresentada em junho, o governo justificou a reestruturação de fundos como um meio de abater o custo de transição com a implementação do benefício para a migração de regime. Porém, pelas contas do próprio governo, se metade dos servidores que têm direito efetivarem a migração, o impacto a curto prazo será de R$ 337,6 milhões.
Resistências na oposição
Como foi enviado ao Legislativo em regime de urgência, o projeto passará a trancar a pauta em 10 de agosto. A contrariedade já tem unanimidade nas quase sempre divergentes bancadas do PT e do Novo. Os dois lados argumentam que o projeto aumentará o déficit previdenciário a longo prazo.
No caso do PT, a defesa do Fundoprev está ligada à criação do mecanismo, no governo Tarso Genro. Já o Novo considera que se trata de irresponsabilidade fiscal.
A União Gaúcha em Defesa da Previdência, por sua vez, sustenta que a reestruturação dos fundos proposta pelo governo, a qual chama de apropriação, é ilegal e vai descapitalizar o Fundoprev.
Como se trata de um projeto de lei complementar, o Piratini precisa de 28 votos favoráveis para a aprovação.