Depois do alerta feito na sexta-feira (17), de que Porto Alegre caminharia para o fechamento total, se não fosse possível conter a circulação de pessoas e o crescimento da demanda por leitos de UTI, o prefeito Nelson Marchezan adotou um tom mais cauteloso. À coluna, admitiu que só vai decretar o lockdown se tiver o apoio dos hospitais, dos médicos, da imprensa e dos empresários. Na reunião de sexta-feira, ficou claro que os hospitais estão divididos e os empresários não querem ouvir falar de mais restrições.
Como o comportamento do coronavírus não obedece a um padrão, o prefeito e seu secretário da Saúde, Pablo Stürmer, não têm como garantir que um lockdown de duas semanas permita reabrir a economia com segurança nos dias seguintes. Marchezan não vê como afrouxar as restrições com a demanda por leito de UTIs subindo dia após dia e o sistema hospitalar se aproximando do colapso.
Nova reunião com dirigentes de hospitais e de entidades empresariais será realizada nesta semana para avaliar o que fazer, já que, apesar das restrições às atividades econômicas, o distanciamento social não se amplia. A própria prefeitura não tem estrutura para fiscalizar o descumprimento das regras. Só na semana passada, mais de 500 motoristas foram abordados — por enquanto sem multa — por estacionar nas vagas da área azul, o que só é permitido perto dos hospitais.
Ex-secretário da Saúde de Porto Alegre e ex-integrante da equipe do ex-ministro Luis Henrique Mandetta, o médico Erno Harzheim está convencido de que se Porto Alegre não ampliar o isolamento por alguns dias, corre o risco de se tornar uma nova Belém.
A quem cita a capital do Para como exemplo de que é possível voltar à normalidade depois de uma explosão de casos e questiona a estratégia gaúcha de fechamento precoce, o médico lembra que o número de mortes em Belém, com população semelhante, é 10 vezes maior do que a de Porto Alegre.
De acordo com o último boletim do Ministério da Saúde, o Pará, com metade da população do Rio Grande do Sul, tem 5.523 mortes por covid-19, a maioria em Belém. No Rio Grande do Sul, são 1.252.
Marchezan pediu aos hospitais que criassem mais leitos de UTI e ouviu como resposta que não há como chegar aos 550 pretendidos, porque faltam intensivistas. O afastamento de profissionais de saúde por contaminação pelo vírus é uma das maiores preocupações dos gestores de hospitais. Mesmo com o remanejamento de médicos de outras áreas, faltam intensivistas para a abertura de novos leitos de UTI.
O que o prefeito quer evitar a qualquer custo é que os médicos tenham de escolher quem vai morrer ou aplicar o protocolo do Conselho Regional de Medicina, que estabelece uma espécie de pontuação para definir quem terá prioridade em caso de falta de leitos de UTI. Até agora, no Rio Grande do Sul nenhum paciente morreu por falta de leitos, como ocorreu em Manaus, Belém, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro, por exemplo.
Marchezan reconhece o drama dos empresários e das pessoas que não aguentam mais ficar em casa, mas diz que graças às medidas adotadas Porto Alegre está entre as cidades brasileiras com a menor mortalidade do país:
— No quesito salvar vidas, somos os melhores entre as capitais. Não consigo aceitar que venhamos a ter mortes por falta de respiradores.
Em um ranking com 16 cidades, divulgado pelo jornal Valor Econômico, a pior situação é a de Belém, com 1.286 mortes por milhão de habitantes. Depois vêm Fortaleza (1.244), Recife (1.137), Rio de Janeiro (995) e Manaus (829). Porto Alegre está em 15º lugar, com 64 mortes por milhão.
— Entendemos que as pessoas que estão cansadas de ficar em casa, que precisam trabalhar e produzir, mas, sem uma adesão maior ao distanciamento, não temos como diminuir as restrições, sob pena de comprometer todo o trabalho realizado até aqui — diz Marchezan.