O fato de a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) ter praticamente antecipado na entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, que a Polícia Federal estava por desencadear uma operação contra o governo do Rio de Janeiro não pode ser motivo para minimizar a gravidade da acusação. A PF investiga suspeita de desvio milionário de dinheiro público que deveria ser destinado às ações de enfrentamento ao coronavírus.
O possível envolvimento do governador Wilson Witzel (PSC) — que até prova em contrário é inocente — reforça a percepção de que o vírus da corrupção ronda o Palácio Laranjeiras. No topo da pirâmide dos ex-governadores encrencados com a Justiça está Sergio Cabral, condenado há mais de cem anos de prisão, por comandar uma verdadeira quadrilha dentro do governo. Também já passaram pela cadeia os ex-governadores Luiz Fernando Pezão, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho. Moreira Franco foi preso no ano passado, mas na Operação Lava-Jato e não por malfeitos da época em que governou o Rio.
Witzel foi eleito na carona do fenômeno Jair Bolsonaro, mas não apenas por isso. Pesou o fato de ser juiz, o que em tese lhe dava uma aura de credibilidade em um Estado traumatizado pela roubalheira de Cabral. Afinado com Bolsonaro no discurso de que “bandido bom é bandido morto”, Witzel se notabilizou pela frase “mira na cabecinha e.. pá”, síntese da sua política de combate ao crime.
Os fatos apontados no inquérito não podem ser relativizados pela suspeita de que Bolsonaro estaria usando a Polícia Federal para se vingar de um desafeto. Fumaça, há. A organização social Labas foi contratada por R$ 835 milhões para construir e administrar sete hospitais de campanha, mas só um está funcionando. Enquanto isso, vítimas da covid-19 morrem por falta de leitos de UTI e de respiradores.
O Superior Tribunal de Justiça autorizou 12 mandados de busca e apreensão, um deles no Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador, e outro na casa dele, no Grajaú. Foram apreendidos celulares de Witzel e de sua esposa, a advogada Helena, alvo porque seu escritório tem um contrato de prestação de serviços com a DPAD Serviços Diagnósticos, ligada ao empresário Mário Peixoto, preso há duas semanas. Peixoto tem contratos de R$ 129 milhões com o governo do Rio que vêm de administrações anteriores.
É certo que Bolsonaro tem interesse em liquidar com a biografia de Witzel, porque vê (ou via) nele um potencial adversário em 2022. Os dois passaram de aliados a adversários e, mais recentemente, a inimigos. Witzel diz que se arrepende de ter trabalhado pela eleição de Bolsonaro, a quem chama de fascista. Bolsonaro o acusa de usar a Polícia Civil para tentar prejudicar os filhos, em especial o senador Flavio Bolsonaro.
Como Zambelli deu com a língua nos dentes, Witzel usa a entrevista ao Timeline como argumento para desqualificar a operação
— A interferência anunciada pelo presidente da República (na Polícia Federal) está devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça — disse o governador depois de acordar com a polícia na porta do palácio.
Na reunião do dia 22 de abril, em que chamou outro possível concorrente, o governador João Doria (PSDB-SP) de “bosta”, Bolsonaro classificou Witzel como “estrume”.
Na Rádio Gaúcha, Zambelli disse que havia várias operações “na agulha” que teriam sido retardadas por omissão do então ministro Sergio Moro, o padrinho de casamento agora chamado de traidor.
Ao ser questionado sobre a operação no Rio, Bolsonaro respondeu sorridente:
— Parabéns à Polícia Federal. Fiquei sabendo agora pela mídia. Parabéns à Polícia Federal, tá ok?