Hoje eu deveria estar a 300 quilômetros daqui, para uma dupla celebração: o Dia das Mães e o aniversário dela, Dona Sinda, que faz 78 anos. Ontem, mandou a foto do bolo e do pudim que preparou para festa que terá apenas quatro convidados, o pedaço da família que mora em Campos Borges. Paulo, o quarto da escadinha, Marli, a nora que é como filha, e os netos Júlia e João Paulo vão representar os outros quatro filhos impedidos pela pandemia de viajar.
Em algum momento desses 60 dias todos tivemos vontade de quebrar a quarentena para ver nossa mãe. Resistimos, porque assim recomendam os médicos, e ficamos planejando o reencontro, que ninguém sabe quando será. Assim como nós, milhares de famílias estão enfrentando neste domingo a dor da saudade e se perguntando se as mães entenderão a necessidade deste distanciamento.
A nossa entende. Sabe que é também pelas mães enfermeiras, médicas e outras profissionais da saúde que devemos nos proteger uns aos outros. Pelo telefone, me conta das entrevistas do Laurinho, o secretário da Saúde de Campos Borges, explicando os motivos das restrições, mesmo que lá não tenha um caso sequer de covid-19. Nossa região de saúde é a de Passo Fundo e é para lá que a população de Campos Borges vai quando precisa de hospital que atenda casos mais complicados.
A única forma que encontro de homenagear minha mãe no dia em que completa 78 anos é falar da resistência dela às adversidades. Menina ainda, filha única, ficou órfã de pai e precisou trabalhar na roça com a vó. Estudou somente até a quarto ano, que era o máximo a que se podia chegar na nossa aldeia. Aprendeu a costurar para ter uma profissão e revelou-se tão boa quanto a mestra, a dona Cena. Fazia de tudo, até bombacha e vestido de noiva, muitas vezes costurando à luz do lampião.
Minha mãe casou-se aos 17 anos. Tinha pouco mais de 18 quando eu nasci. Em nove anos, teve cinco filhos, todos de parto normal, em casa. Com meu pai, agricultor que parecia não se cansar nunca, trabalhou em casa, na roça e na máquina de costura para que todos os cinco pudéssemos estudar. Quando celebraram as bodas de ouro, em 2009, estávamos todos formados na universidade, trabalhando e unidos como sempre fomos.
Sofremos o baque mais profundo de nossas vidas em 2015, quando perdemos o pai para um AVC. Temíamos que depois de 56 anos juntos, nossa mãe mergulhasse na depressão, mas ela se reinventou. A foto que ilustra esta crônica é do outono de 2015, quando minha irmã Roseli e eu a levamos para espairecer em São Francisco de Paula.
Com o talento para os trabalhos manuais, a mãe descobriu no artesanato, que fazia desde que se cansou de costurar roupas, a forma de ocupar o tempo. E assim, bordando e fazendo crochê, cozinhando e cuidando do jardim, passa os dias dessa quarentena.
Vou passar o Dia das Mães com a minha filha e esse presente não tem preço. Meu filho vai me dar um abraço virtual. Daqui do meu 55° dia de isolamento, abraço e aplaudo mentalmente as mães que hoje estão privadas do contato físico. Que não falte amor para compensar a distância e as palavras de carinho ditas olho no olho.