Defensores do porte de arma para civis deveriam parar um minuto para refletir sobre a tragédia que destruiu a família Innocente Silva e deixou órfão um menino de oito anos. Se Dionatha Bitencourt Vidaletti, 24 anos, não estivesse com uma arma no porta-luvas, a briga de trânsito que motivou o triplo assassinato teria se resolvido em uma discussão, talvez alguns sopapos, como ocorre na maioria dos casos.
O homem que arranhou a EcoSport vermelha de Dionatha pagaria o conserto e a vida seguiria seu curso. O assassino matou em ilegítima defesa da lataria de um carro. Motivo mais fútil, impossível. Matou o pai, a mãe e o irmão de uma criança que carregará para sempre o trauma de ter assistido à execução.
Defensores da liberação do porte de armas para o "cidadão de bem" dirão que, por falta de equilíbrio em situações de tensão, Dionatha não passaria no exame psicotécnico para ter uma arma — e que mesmo assim a portava. Será que não passaria?
Até a tarde de domingo, Dionatha era o que se poderia chamar de um "cidadão de bem". Aprendeu a atirar quando serviu ao Exército, logo estava tecnicamente habilitado a manusear armas, não tinha antecedentes criminais, vivia em endereço certo e estava com a mãe na hora em que resolveu ir atrás do motorista que arranhara sua EcoSport. Fugiu para não ser preso em flagrante. A mãe o acompanhou na fuga.
A família Vidaletti se armou (legalmente) para se proteger depois de um assalto. Em uma das residências, na Zona Sul, os policiais encontraram uma pistola 380 em nome da mãe do investigado. No comércio da família, também na zona sul da Capital, foi localizado um revólver calibre 38 sem registro.
O jovem não tinha armas registradas em seu nome. Era ilegal o porte da pistola 9mm — no passado, de uso restrito das Forças Armadas — que matou Rafael Zanetti Silva, 46 anos, a esposa dele, Fabiana da Silveira Innocente Silva, 44, e o filho deles, Gabriel da Silveira Innocente Silva, 20 anos.
Um dos mais aguerridos defensores da liberação das armas para os civis foi para as redes sociais reafirmar sua posição após a tragédia e dizer que defende a pena de morte para quem comete um crime como esse. Equivale a dizer que, em vez de se preocupar com o risco de se multiplicarem os crimes em brigas por motivos fúteis, contenta-se com a pena capital para assassinos como Dionatha.
No caso específico, em vez de três, seriam quatro mortes — a família Innocente Silva no Lami e o atirador, depois de um processo, pelo Estado. Ressalte-se que a lei brasileira não prevê a pena de morte.
Por todos os elementos que se tem até agora, agravados pela fuga do atirador, Dionatha será condenado pela Justiça. Em quanto tempo? Ninguém sabe. A tragédia da boate Kiss, na qual morreram 242 pessoas, completou sete anos nesta segunda-feira (27) sem que os acusados tenham sido julgados. O máximo de tempo a que um brasileiro pode ficar preso é 40 anos, mesmo que venha a ser condenado a 120.
O comportamento homicida do rapaz que matou em defesa da lataria do carro também deve ser motivo de reflexão para as famílias. A única testemunha adulta do crime, a namorada de Gabriel da Silveira Innocente Silva, diz que a mãe tentou evitar que o filho atirasse. Não conseguindo, entrou na camionete e fugiu com ele. Dionatha destruiu também a própria família, porque tinha uma arma ao alcance da mão na tarde de domingo.