Se o presidente Jair Bolsonaro viajasse no desconforto da classe econômica, seria legítimo atribuir ao cansaço de uma noite maldormida a desastrada frase que pronunciou ao chegar a Dallas, nos Estados Unidos, chamando de "idiota útil" e de "massa de manobra" quem foi para a rua protestar contra os cortes na educação. Mas não. Ele viaja em um Airbus outrora chamado de Aerolula, quase uma casa voadora. Se disse o que disse não foi por cansaço, mas por uma combinação de ignorância, arrogância e incapacidade de perceber o tamanho do cargo que ocupa.
A sequência de frases não deixa dúvida do desprezo do presidente pelos universitários:
— É natural, é natural, mas a maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo das universidades federais no Brasil.
Os "idiotas úteis" que, na visão estreita do presidente desconhecem a fórmula da água, protagonizaram a primeira grande manifestação contra seu governo. Ou seria contra o desgoverno? Em todas as capitais brasileiras e também em cidades do interior do Brasil, milhares de pessoas foram às ruas, revivendo, com outras cores, os protestos de 2015 contra Dilma Rousseff. Uns para protestar contra os cortes na educação, explicados de forma tosca pelo ministro Abraham Weintraub, outros para manifestar insatisfação com a reforma da Previdência e outros tantos para gritar contra o conjunto da obra.
Os protestos só fermentaram porque o governo foi incapaz de fazer a comunicação adequada sobre o contingenciamento — esse palavrão que todos os governos adotaram em algum momento. Seria tudo mais simples se o governo tivesse explicado, em bom português, como faz o ministro Paulo Guedes, que a economia está no fundo do poço e que será preciso bloquear recursos, para o presidente não correr o risco de um impeachment por "pedaladas fiscais". Mas não. O boquirroto Weintraub começou anunciando cortes em três universidades e disse que o critério seria começar pelas que fazem "balbúrdia". O ministro vendeu para um séquito de fanáticos a falsa ideia de que os estudantes de universidades públicas só querem saber de fumar maconha e andar pelados, como se os campi fossem gigantescos campos de nudismo. Multiplicaram-se na internet imagens de manifestações de jovens nus em protestos, algumas delas captadas em universidades brasileiras, outras tiradas de bancos de imagens no Exterior.
Sem a balbúrdia que começou pelo ministro, infestou as redes sociais e chegou ao presidente da República, os cortes teriam rendido manchetes de jornais e revistas, reclamações de reitores e críticas de professores e alunos, e nada mais. As versões desencontradas e modificadas mais de uma vez no mesmo dia comprometeram a credibilidade da explicação que faz sentido: a necessidade de readequação do orçamento, para não atropelar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
É correto o diagnóstico feito por Bolsonaro nos Estados Unidos, de que a educação básica vai mal e que precisa de investimentos. O país precisa fazer o debate sobre o financiamento da educação e as definição de prioridades, mas não pode partir de premissas equivocadas, sob pena de aprofundar o problema em vez de resolvê-lo. Sim, há entre os 14 milhões de desempregados gente que não tem qualificação para pleitear uma vaga no mercado de trabalho, mas há, também, milhões de profissionais preparados que não conseguem emprego porque a economia patina, atolada nos desencontros entre o governo e o Congresso e na falta desse ativo imaterial que faz toda a diferença nas trocas de governo: confiança.