Um dia depois do longo depoimento do ministro Paulo Guedes à Comissão de Constituição e Justiça, o que ficou daquela sessão de mais de seis horas? O assunto mais comentado é a falta de educação do deputado Zeca Dirceu (PT-PR), dizendo que o ministro é "tigrão" com os pobres e "tchutchuca" com os privilegiados. Uma citação totalmente inadequada, que irritou Guedes mais do que todas as provocações anteriores e levou ao encerramento da sessão. O ministro, que já estava pelas tabelas, desceu ao nível de Zeca Dirceu e disse que "tchutchuca" eram a mãe e a avó dele.
É possível que até aquele momento Guedes nunca tivesse ouvido falar em tchutchuca nem em Bonde do Tigrão. Improvável que conhecesse letra do funk, ele que passou anos estudando nos Estados Unidos e não tem perfil de quem se interesse por esse tipo de música. Guedes percebeu a molecagem e explodiu. Ao longo da sessão, ele já havia tido outros momentos de exasperação com os ataques dos deputados e com a gritaria dos opositores, que interrompiam suas explicações sobre a reforma da Previdência. Em tom debochado, disse em certo momento ao deputado Henrique Fontana:
— Grite. Grite mais alto eu não estou ouvindo.
A histeria da oposição acabou por favorecer o governo, ainda que os parlamentares imaginem que arrasaram ao fazer o ministro da Economia perder a paciência, o que não é difícil. Guedes não tem experiência de embates em plenário e se irrita com facilidade, como já tinha mostrado na passagem pelo Senado. Os deputados podem ter experimentado uma catarse coletiva ao xingar o ministro, mas em nada contribuíram para o que interessa: melhorar o projeto de reforma da Previdência, para que injustiças como a redução do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o tratamento às mulheres do campo sejam revistas.
Os petistas e associados também tiveram de ouvir verdades inconvenientes para quem acha que seus governos foram impecáveis. Ouviram, por exemplo, que seus governos arruinaram as finanças públicas. Que, se acham a taxação de fortunas tão importante, deveriam ter feito isso nos 13 anos (16 se incluir o período de Michel Temer, que só existiu porque o PT o colocou na vice-presidência por dois mandatos). Pensando bem, tempo não faltou aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff para combater os privilégios do andar de cima. Guedes foi direto:
— Vocês estão há quatro mandatos no poder. Como é que não votaram imposto sobre dividendo? Por que deram benefícios para bilionários? Por que deram dinheiro para a JBS?
O ministro mostrou que tinha estudado os argumentos de quem acha que a reforma da Previdência é desnecessária e tentou desmontá-los, mas a gritaria impediu que as respostas fossem ouvidas e que muitos raciocínios fossem concluídos. Há dúvidas razoáveis que precisam ser sanadas e para isso o czar da Economia foi à Comissão de Constituição e Justiça. O papel que se espera da oposição seria o de questionar, não de agredir. Justiça se faça, alguns parlamentares formularam perguntas adequadas e contestaram respostas imprecisas, mas a molecagem de Zeca Dirceu resumiu tudo aos momentos finais e a duas palavras: tigrão, no sentido de valentão, e tchutchuca, como sinônimo de mulher submissa.
Ficou claro que falta pulso — e experiência — ao jovem presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), de 27 anos. Também ficou claro que a base do governo deixou Guedes entregue aos leões, seja por preguiça de passar a tarde ouvindo um assunto maçante, seja por falta de convicção na reforma que é uma questão de vida ou morte para o governo.
Confira a letra da música de onde Zeca Dirceu tirou a expressão "tchutchuca" (os mesmos versos são repetidos três vezes):
Tchutchuca
Bonde do Tigrão
Vem tchutchuca linda
Senta aqui com seu pretinho
Vou te pegar no colo
E fazer muito carinho
Eu quero um rala quente
Para te satisfazer
Escute o refrão
É do jeitinho que eu vou fazer
Vem, vem
Tchutchuca
Vem aqui pro seu Tigrão
Vou te jogar na cama
E te dá muita pressão!
Vem
Tchutchuca
Vem aqui pro seu Tigrão
Vou te jogar na cama
E te dá muita pressão!