
Amparado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o ministro da Economia, Paulo Guedes, encontrou clima tenso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (3). O ministro de Jair Bolsonaro bateu boca com parlamentares da oposição já na primeira meia hora da sessão, que discute a proposta de reforma da Previdência. Veja abaixo alguns destaques da fala de Guedes na CCJ.
Bate-boca
No início de sua explanação, Guedes recebeu aplausos de alguns deputados presentes no colegiado no momento em que explicava a importância da reforma para um futuro melhor no país. Em seguida, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) fez uma referência ao Chile, país cujo modelo de previdência é visto como inspiração para a proposta do governo Bolsonaro e usado como exemplo negativo pela oposição. Guedes respondeu ironicamente:
— O Chile tem US$ 26 mil de renda per capita, quase o dobro do Brasil. Acho que a Venezuela está melhor, né? Venezuela está bem melhor.
O deputado gaúcho Henrique Fontana também entrou no bate-boca. Por estar sem microfone, ficou difícil escutar o que o parlamentar gritava. Guedes, porém, retrucou:
— Se você falar eu vou falar também — afirmou Guedes a Fontana, dando uma alfinetada no deputado pela interrupção.
Confusão
Deputados de oposição seguiram gritando contra Guedes, que ironizava:
— A palavra é dos senhores. Falem um pouco mais alto. Não estou ouvindo — disse, fazendo sinais com as mãos para cima.
Sem sucesso, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), tentava acalmar os ânimos. Opositores levantavam cartazes com dizeres como "PEC da Morte" e "Reforma para banco lucrar".

O presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), tentava retomar a sessão e pedia decoro, sem sucesso, aos seus pares.
— Isso aqui não é briga de rua — afirmou Francischini.
Depois de cerca de cinco minutos, o ministro pediu desculpas e disse que é "muito respeitoso", mas emendou com uma provocação.
— Eu cometi o erro de falar sobre a Venezuela, e vocês cometeram o acerto de falar sobre o Chile. Eu acho que a Previdência deve ser maior em um deles — disse.
Interrupções e cartazes
Em outro momento, ele se dirigiu a um deputado da oposição que fazia questionamentos, e disse que não cairia na mesma provocação do começo. Depois, disparou:
— Eu esperei todo mundo falar. Agora é a minha vez, não é?
O questionamento fez com que deputados de ambos os lados levantassem questões de ordem contra o outro. Gilson Marques (Novo-SC) pediu para que os cartazes fossem proibidos, e Maria do Rosário (PT-RS), que o ministro fosse advertido pelo presidente do colegiado por sair do tema. Francischini negou os dois pedidos.
Apoio de Maia

Guedes chegou flanqueado pelo presidente da Casa, que se sentou à mesa da comissão. O procedimento não é praxe na Casa, e fez parte do acordo costurado com o ministro para que ele comparecesse à reunião, depois de desmarcar na terça-feira (26) da semana passada.
Fogo amigo
Nem só deputados da oposição criticaram a proposta da Previdência apresentada pela gestão Bolsonaro. O líder do PMN, Eduardo Braide (MA) criticou as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural e defendeu que a reforma tributária fosse feita antes.
Ao comentar a aposentadoria rural, o ministro disse que a categoria entrou no texto para combater fraudes. Ele afirmou que 16% da população brasileira vive no campo, mas os trabalhadores rurais respondem por cerca de 30% das aposentadorias do INSS e 60% do déficit da Previdência.
Segundo ele, o Legislativo pode retirar as mudanças da matéria, desde que mantenha a economia de R$ 1 trilhão em 10 anos prevista com a proposta.
Já deputados do PRB, como João Roma (BA), cobraram maior envolvimento do governo com a reforma.
— Gostaria que o governo abraçasse isso, não lavasse as mãos — afirmou.
Depois de questionar Guedes sobre pontos da reforma, a deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ) concluiu:
— Espero que o ministro tenha boa memória, porque fiz várias perguntas e não vi nenhuma anotação.
Desconstitucionalização de direitos
O deputado José Guimarães (PT-CE) disse que a concepção trazida pelo ministros "desconstitui o sistema de proteção social". Guimarães perguntou por que o governo pretende "desconstitucionalizar tudo" e "remeter tudo para lei complementar". O texto do governo prevê mecanismo que autoriza a aprovação de futuras mudanças nas regras de aposentadoria por meio de projetos que exigem menos votos no Congresso do que o texto atual. Guedes discordou do tom do deputado petista:
— Não há nenhuma desconstitucionalização de direitos. Nenhuma. O que está sendo desconstitucionalizado são os parâmetros, porque nenhuma constituição, nem a da Venezuela, nem da Bolívia, tem parâmetros previdenciários na constituição. Ninguém tem. Não há exemplos no mundo.
BPC
Um dos itens mais criticados na proposta do governo, o BPC também foi questionado pelos deputados. Atualmente, quem tem mais de 65 anos tem direito a receber um salário mínimo (R$ 998). Bolsonaro quer que esse valor seja pago para quem completar 70 anos de idade. Mas, entre os 60 anos e 70 anos, ganharia R$ 400 por mês.
—Não se mexeu em direito adquirido. Queremos dar uma possibilidade de antecipação (para 60 anos) — explicou Guedes.
Guedes disse que o governo está preparado para a retirada das mudanças no BPC e na aposentadoria rural da reforma.
— Nós estamos preparados para essa sensibilidade social do BPC e da aposentadoria rural. Se isso for realmente uma vontade do Congresso, ela (a retirada) deve ser feita. Tínhamos que apontar esses problemas, mas estamos preparados para o resultado. E não achamos que devemos transformar isso em uma batalha campal — declarou o ministro.
Estados
Guedes afirmou que está disposto a mudar a proposta para retirar a adesão automática de Estados e municípios à reforma da Previdência. O ministro disse, no entanto, que tem recebido apoio de governadores e de prefeitos para que as mudanças sejam aplicadas automaticamente aos governos locais depois da aprovação. Parlamentares articulam mudança nesse sentido.
— O que eu senti foi um apoio muito grande dos governadores, dos prefeitos, pedindo para serem incluídos nesta reforma tão "cruel" porque estão em situação financeira dramática — declarou.
— Talvez fosse interessante votar um dispositivo qualquer que devolva a Estados e municípios o poder de decisão, se querem aderir ou não. Como era na reforma anterior, que passassem dois anos e aí aplicaria. Só que eles não resistem nem mais um ano e estão pedindo aplicação imediata — acrescentou.
Tigrão e Tchutchuca
Às 20h23min, Zeca questionou quais estudos foram utilizados pelo governo para priorizar a reforma da Previdência ao invés da reforma tributária. Em seguida, o parlamentar parafraseou uma música de funk popular do Bonde do Tigrão, de 2001, para criticar o que ele chama de diferença de atuação de Guedes em relação aos pobres e aos empresários.
— Eu estou vendo que o senhor é tigrão quando é com os aposentados, com os idosos, com os portadores de necessidade. É tigrão quando é com agricultores, com professores. Mas é tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país. O cargo público que você ocupa exige uma outra postura — afirmou Dirceu.
O deputado foi logo interrompido por aliados do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que pediam decoro. Guedes também reagiu. O ministro se ofendeu e revidou:
— Tchutchuca é a mãe, tchutchuca é a avó!
Depois, pediu respeito:
— Eu te respeito. Você me respeita!
A sessão foi encerrada logo após o bate-boca, com tumulto e empurra-empurra na saída da sala da comissão.




