Chamado pelo pai de "zero um", por ser o primogênito do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Flávio Bolsonaro (PSL) conseguiu uma liminar que entra para a história do Supremo Tribunal Federal (STF) como o retrato da subversão de uma prerrogativa conhecida popularmente como foro privilegiado.
Com um canetaço, o ministro Luiz Fux atendeu ao pedido de Flávio para que o Ministério Público suspenda a investigação das movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, dublê de motorista, segurança e faz tudo do deputado na Assembleia do Rio de Janeiro. Fux concedeu a liminar com base na expectativa futura da prerrogativa de só ser processado pelo Supremo, condição que Flávio terá a partir de 1º de fevereiro.
O curioso é que Flávio não é oficialmente investigado. O que ele conseguiu com a liminar foi impedir o Ministério Público de investigar Queiroz, que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano sem ter renda para tanto. Alegando problemas de saúde, o motorista não compareceu nas datas marcadas para o depoimento. A internação no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para uma cirurgia de câncer no intestino, foi o pretexto usado por seus familiares para também não darem explicações aos promotores. No fim de semana passado, veio a público um vídeo do motorista tomando soro e dançando no hospital ao lado da mulher.
Exatamente porque não é o investigado, Flávio foi convidado a prestar esclarecimentos no local e horário que considerasse conveniente. Apesar de dizer que é o maior interessado no esclarecimento, o deputado e futuro senador não apareceu. O Ministério Público queria ouvi-lo na condição de ex-chefe de Queiroz, porque o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) constatou que funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro faziam depósitos na conta de Queiroz logo depois de receber o salário.
Um depósito de R$ 24 mil foi feito pelo motorista na conta de Michele Bolsonaro, madrasta de Flávio. Jair Bolsonaro justificou o depósito com a explicação de que se tratava do pagamento de parte de um empréstimo de R$ 40 mil, pedido por Queiroz, a quem definiu como um velho amigo. Dias depois, disse que sabia que o motorista "fazia rolos". Os "rolos", segundo a versão dada pro Queiroz em entrevista ao SBT, seriam compra e venda de carros usados.
Uma filha do motorista, Nathália, que esteve lotada nos gabinetes de Flávio na Assembleia do Rio e de Jair Bolsonaro na Câmara fez depósitos na conta. Seria apenas uma relação familiar, não fosse o fato de que Nathália trabalhava como personal trainer em uma academia de ginástica no momento em que deveria estar na Câmara e na Assembleia.
Flávio Bolsonaro diz que não tem nada a ver com as movimentações atípicas do motorista, mas age como se tivesse culpa no cartório. Se nada tem, por que barrar a investigação?
A liminar de Fux fica ainda mais estranha porque o entendimento sobre foro privilegiado mudou. A prerrogativa de deputados e senadores só serem investigados no Supremo refere-se a eventuais crimes cometidos no exercício do mandato. Flávio não está sendo acusado de cometer um crime, mas pode estar acobertando um ou usando o poder do sobrenome para obstruir o trabalho da Justiça.
A atitude é tão estranha que, nas redes sociais, até eleitores fieis de Jair Bolsonaro expressaram sua indignação. O primeiro filho está levando para o Palácio do Planalto um problema pessoal, que aumenta de tamanho à medida em que seus protagonistas utilizam chicanas para fugir das explicações. Tivessem furado a bolha quando as informações vieram a público, o assunto já poderia ter se esvaziado. Como insistiram em driblar a investigação, a bolha não para de inflar.