São escassas as imagens do ex-presidente Lula preso. Restringem-se ao curto trajeto entre o helicóptero e a escada do prédio da Polícia Federal, em Curitiba, escoltado por agentes discretos. São fotos noturnas, feitas com teleobjetivas, um contraste com a exuberância das imagens dirigidas por Lula em São Bernardo do Campo, mostradas ao vivo por emissoras de TV no sábado ou em reprises durante todo o fim de semana, estampadas em jornais e sites de notícias e compartilhadas nas redes sociais.
Para um documentário sobre a prisão do primeiro ex-presidente condenado em processo criminal, prevalece a imagem de Lula “nos braços do povo”. Por “povo” entenda-se os militantes que começaram a se concentrar no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo no final da tarde de quinta-feira e que acompanharam, no sábado, o discurso com que Lula se despediu da liberdade. Ao vivo, o ex-presidente fez uma espécie de carta-testamento oral, repleta de frases pensadas para ilustrar a narrativa que escolheu para desviar o foco dos motivos da prisão.
– Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês. Minhas ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Agora vocês são milhões de Lulas.
Embora a expectativa do PT e dos seus aliados seja de ver Lula livre nas próximas semanas, com a revisão da interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade da prisão em segunda instância, o ex-presidente misturou frases em que expressa a crença na liberdade com outras em que deixa transparecer a desesperança.
– A morte de um combatente não para a revolução – disse a certa altura do discurso em São Bernardo.
No encerramento do comício, expressou a convicção de que em breve estará de volta aos palanques:
– Esse pescoço aqui eu não abaixo. Eu vou chegar de cabeça erguida e vou sair de peito estufado. Sairei dessa maior, mais forte e inocente, porque vou provar que eles é que cometeram crime.
Lula tem outros processos pela frente e a tendência é de que sofra novas condenações, mas os petistas farão de tudo para manter os militantes mobilizados. Convencer os eleitores menos engajados de que Lula está sendo vítima de uma perseguição é questão de sobrevivência para o partido e seus candidatos.
Corrobora para essa narrativa a comparação com outros políticos que seguem soltos graças ao foro privilegiado, apesar dos indícios e das provas de envolvimento em esquemas milionários de corrupção. Se vai funcionar ou não, as urnas de outubro dirão. Na eleição de 2016, com Lula solto, o PT sofreu um tombo monumental, mas ainda não havia a delação da JBS, que acabou com a reputação de Aécio Neves e abalou a credibilidade de Michel Temer.
ALIÁS: Em seu último ato antes de ser preso, Lula se despediu de vez do personagem Lulinha Paz e Amor, criado por Duda Mendonça em 2002, deu uma guinada à esquerda e voltou a ser o sindicalista que apoia passeatas com queima de pneus, ocupação de terrenos e invasão de fazendas.