Da cadeia em Curitiba, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fez chegar à imprensa uma carta escrita de próprio punho para fustigar o presidente Michel Temer. Nas entrelinhas, é possível identificar uma ameaça semelhante à que se tornou célebre na campanha de 2010, quando Paulo Preto mandou um recado a José Serra: "Não se abandona um líder ferido na beira da estrada". À época, Preto era acusado de corrupção em obras públicas no governo do PSDB em São Paulo, delito agora escancarado por delatores da Odebrecht. Serra disse que não o conhecia. Preto ameaçou, mas não fez nada.
Cunha escreveu a carta para desmentir afirmações recentes de Temer em relação a um encontro para tratar de propina para o PMDB, na mesma campanha de 2010, e à conduta do então vice-presidente no processo de impeachment, no final de 2015.
Abandonado à beira da estrada, Cunha faz a conta-gotas o que se poderia chamar de "delação não premiada". Não é a primeira vez. Em agosto de 2016, mandou um recado em forma de parábola ao Palácio do Jaburu: "Era uma vez cinco amigos que faziam tudo junto, viajavam, faziam negócios.... então, um virou presidente, três viraram ministros e o último foi abandonado".
Preso, Cunha apresentou ao juiz Sergio Moro uma série de perguntas a serem formuladas a Temer. Uma delas, vetada por Moro, falava do encontro com o ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial Márcio Faria da Silva no escritório de Temer em São Paulo. Depois da delação do executivo, um diz que foi o outro quem agendou a reunião. Os dois só coincidem em um ponto: dizem que naquele dia não se tratou de valores para a campanha.
O delator sustenta que se discutiu sem nenhum pudor a cobrança de propina de 5% de um contrato da empreiteira com a Petrobras, o que daria US$ 40 milhões. Temer diz que só foi chamado porque o executivo queria apertar-lhe a mão.
O presidente apresentou essa versão açucarada dos fatos na mesma entrevista da TV Bandeirantes em que produziu uma das pérolas do óbvio ululante, ao dizer que é legítima a indignação dos brasileiros com as revelações dos delatores.
Nas últimas entrevistas, Temer produziu outras obviedades, como dizer que não vai demitir os ministros citados nas delações até que sejam denunciados, mas que qualquer um pode sair se estiver se sentindo desconfortável no cargo. Ora, ministros podem pedir para sair a qualquer tempo.
Na carta, Cunha contestou a afirmação recente de Temer de que ele agiu sozinho quando aceitou o pedido de impeachment, e o fez porque o PT não aceitou um acordo para protegê-lo na Comissão de Ética. Na versão de Cunha, seu parecer foi submetido ao então vice-presidente 48 horas antes da abertura do processo. "O parecer, preparado por advogados de confiança mútua, foi debatido e considerado por ele correto do ponto de vista jurídico", escreveu Cunha.